quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Diálogo 6

_Oi, tudobem?
_Tudo, e você? Como é que vai a esposa?
_Bem. Tou indo buscar na faculdade. E o bebê?
_Tá lindo!
_Nasceu parecido com você ou com o pai?
_Lembra aquele retrato que eu adorava, de quando você tinha um ano?
_Lembro.
_Pois então: é igualzinho!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Carta de Suicídio

Folheando um álbum de fotos, de repente tive uma epifania.
Percebi subitamente, na carne, no peito, no fundo do esôfago o tempo que passou. Senti o peso de tudo o que eu não fiz, de tudo o que eu não fui, de tudo o que eu quis e não tive e, principalmente, de tudo o que eu quero e nunca vou ter.

Não senti arrependimento. Não senti que realizei menos do que deveria ou do que poderia. Sei que sou acima da média, sei que realizei coisas únicas, que não deixei nenhum minuto da minha vida até agora passar em vão. O que pesou, no entanto, foi a constatação de que tudo o que foi realizado, os lugares onde estive, as mulheres que conheci, as festas que frequentei, tudo, não passou de um subterfúgio pra ocupar a cabeça e abafar o que eu não sou porque não nasci pra ser o que desejava. O fantasma do que eu queria ter, do que eu deveria ser e Deus não permitiu me acompanhou esse tempo todo, disfarçado de conquista. Mas ele estava ali, o fantasma.

E então eu me apego de novo ao trabalho, me ocupo, faço o meu tempo passar o mais rápido possível, encho ele de coisas a fazer e de sonhos a realizar e busco esperança na crença de que talvez haja uma segunda chance. Uma segunda vida. Uma outra que talvez traga o que eu preciso pra matar a fome, pra aplacar essa ânsia, pra consumir esse desespero, essa decepção, essa sensação opressora de ter nascido errado. Essa noção de estar preso, de ter a alma enclausurada num corpo que não é dela, que a limita, que a comprime, que a atrofia e reduz a algo que é mundano e comezinho demais.

Esse invólucro é demasiado estreito, demasiado simples e demasiado feio. Limitado. Tosco. Raso. Bobo. Muito pouco pra quem anseia tanto.
Resta a espera. Resta, mais uma vez, fazer todo o possível pra não desperdiçar o que resta. Gastar cada milímetro da vida pra sorver todo o suco e saciar o quanto for possível. O que faltar, o que ainda ficar depois disso, o espaço vazio que sobrar vai ficar sobrando e paciência.

Fiz o melhor com o que me foi dado. Mesmo que o que tenha sido dado seja tão pouco. Jogamos com as cartas que temos. Pelo menos, arrependimentos não vão ficar.

Só frustração. Carpe Diem.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A vida é incrível

Você acorda e tenta de todas as formas se agarrar à ideia de que não é segunda-feira mas o despertador insiste que sim. Ele ganha a discussão mas você adia ao máximo possível a iniciativa de esfregar os olhos e levantar; já dizia o ditado: se não pode vencê-lo, pirraceie.

Com meia hora de atraso você se levanta cambaleante, escolhe as roupas que estão por cima, veste, prepara o café da manhã e coloca um disco legal pra tocar, pra ver se de repente isso o anima. Não anima, é claro. Puta disquinho chato!
O relógio te avisa que seu atraso já evoluiu pra quarenta minutos. Você engole rápido o café e sem querer ele escorre na camiseta. Então você troca de camiseta, mas não tinha mais nenhuma passada então se veste com aquela amarrotada mesmo. Pelo menos não está babada de café.

Os dentes são displicentemente escovados, o cabelo desmazeladamente penteado e enquanto espera o elevador você lembra que deixou em cima da escrivaninha aquele CD importante com o arquivo que você precisa pra apresentação. Volta, pega o CD, a chave engasga na fechadura e o elevador não te esperou.

A caminho do ponto de ônibus uns pingos grossos de água começam a cair mas é tarde demais pra voltar e pegar o guarda-chuva e, por algum motivo as pessoas não parar de olhar pra sua cara na rua.
Entrando no ônibus você vê seu reflexo no espelho e percebe que ficou uma mancha branca de pasta de dentes que vai do canto esquerdo da boca até o começo do queixo. Querendo enfiar a cabeça num buraco você esfrega o dedão no queixo pra limpar mas é claro que o ônibus inteiro já notou.

Você se senta no primeiro lugar que fica vago e quando finalmente relaxa, percebe que é um acento reservado e uma senhora velha e gorducha cheia de varizes azuis e imensas na panturrilha te olha como se você fosse o maior filha-da-puta do mundo. Você levanta, dá o lugar e resolve atravessar a catraca, mas acabaram os créditos do bilhete único e você esqueceu, assim como esqueceu que só tinha dois reais e dez na carteira. O cobrador te olha com cara feia mas te deixa passar. Todos os passageiros do ônibus te olham com cara feia.

A guria esquisitinha, sentada diante de você, se oferece pra segurar sua bolsa. Você responde que, "não tudo bem" ela deixa estar mas repara no logo estampado na bolsa e te pergunta se você estuda na faculdade tal. Você responde que já estudou, ela revela (sem que você pergunte, porque, na verdade não está minimamente interessado) que está cursando publicidade na mesma faculdade. Você se força a sorrir e diz que fez esse curso também.

Três anos depois, na sua festa de casamento você olha pro lindo rosto dela enquanto os dois cortam o bolo e os flashes das câmeras te cegam e se lembra daquele como sendo o dia mais lindo da sua vida.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O melhor dia da sua vida

Eles se conheceram numa festa. Um desses festivais de rock que começam de dia e vão até de madrugada.
Ela era de São Paulo mesmo, mas ele tinha vindo de Porto Alegre só pra ver o Iggy Pop.
Lá pelas tantas os amigos dele sumiram, ele viu aquela guria bonitinha olhando pra ele e foi lá bater um papo.
Com um sorrisinho tímido, mordendo os lábios e com os olhos meio baixos, ela corou quando ele a chamou de linda e sem saber o que dizer lhe ofereceu a cerveja. Ele aceitou. A cerveja estava quente. Ele deu um golinho pequeno, olhou pra ela bem fundo nos olhos verdes e grandes, passou os braços por detrás de seu pescoço e a beijou. O primeiro beijo foi tosco e superficial mas eles logo acertaram o passo e então beijaram-se longa e demoradamente. Um beijo quente, molhado, aconchegante e cheio de desejo. Mas com gosto de cerveja.
Ela sentiu a barba dele pinicar seus lábios. Ele sentiu o cheiro do shampoo herbal.
Depois conversaram sobre banalidades, as bandas mais legais, os livros que vinham lendo, problemas com o TCC, problemas com o vestibular, trocaram telefones, fizeram fotos juntos, ficaram de mãos dadas, ela provou o pedaço de pizza frio que ele comprou, uma amiga dela ofereceu o beque, na hora da chuva ele a cobriu com sua jaqueta de veludo, ela se aninhou em seu peito, beijou seu pescoço, mordeu seu ombro, ele fez um cafuné, acarinhou seus lábios, assoprou os pelinhos de sua nuca e ficou olhando eles se arrepiarem. Ela riu da piada, ele gostou do esmalte, ela mordeu sua orelha, ele fingiu que esbarrava sem querer nos peitos dela. Ela achou que tudo bem.

Na hora do show do Iggy eles estavam bem longe dali, num canto mais ou menos escondido, trocando beijos tórridos e esfregando-se com desespero. Querendo-se e tendo-se na medida do possível.

Às seis da manhã, o ônibus de excursão no qual ele tinha vindo estava preparando-se pra sair.
Eles se beijaram de novo. Ela olhou nos olhos dele pra guardar na cabeça exatamente aquela imagem: o sol amarelo, seus olhos claros, o cabelo despenteado e o sorriso bobo.
Ele disse: "Amo você."
Ela disse: "Eu te amo mais."

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Instinto

Sabe quando duas pessoas trocam olhares pela primeira vez e imediatamente surge uma fagulha elétrica? Foi assim que aconteceu com eles.
Quando os olhares se cruzaram, na cozinha da casa dela, quando um fitou por segundos o rosto do outro e os dois perceberam imediatamente o desejo recíproco, os rostos coraram. A garganta travou sutilmente e os dois desviaram os olhares um do outro tão rápido as sinapses cerebrais permitiam. Mas era tarde. O estrago estava feito. Ele percebeu que ela o desejara. Ela percebeu que ele a desejara. E o marido dela percebeu o desejo recíproco dos dois.
Aquela energia sexual tomou conta do cômodo, criou um silêncio temporário, um breve embaraçamento, um medo de que alguém mais percebesse e um desejo de que todos percebessem.
Ela se viu sendo agarrada por ele, jogada por sobre a mesa, suas roupas rasgadas, os convidados imóveis, em choque, vendo-a ceder ao desejo, entregando-se ao estranho no meio do público como num ritual celta.
Ele se imaginou levando-a pra um canto escondido, sussurrando indelicadezas em seu ouvido e beijando sua boca ardentemente, longe dos olhares do marido.
O marido ficou olhando a cena, que pra ele pareceu durar uma eternidade, um acontecimento em câmera lenta e especulou de si pra si que, se os dois fossem um pouquinho mais loucos, um pouquinho mais corajosos, se atracariam ali, na frente dele e de todos. Beijariam-se com furor e desespero fazendo cair os queixos dos presentes, mandariam as convenções à merda e consumariam o desejo sem se importar com a humilhação que lhe causariam. Imaginou o amigo abordando sua esposa no corredor da casa, quando todos estivessem bêbados e entretidos demais pra dar pela falta deles. Conjecturou se deveria verbalizar o que vira e deixar os dois com cara de tacho, humilhá-los publicamente e humilhar a si mesmo. Fantasiou qual seria sua postura, sua atitude de macho caso os dois se atracassem, caso os dois não conseguissem se conter e ele flagrasse. E das mil coisas que o marido pensou, das mil coisas que ela pensou, das mil coisas que ele pensou, aconteceu a mais óbvia. Ninguém era tão louco ou tão corajoso pra dar vasão ao instinto e, passado o silêncio constrangedor, alguém abriu uma garrafa, serviu os copos e o papo recomeçou como se nada tivesse acontecido.

John Lennon fazendo música eletrônica

Sábado à tarde. A luz dourada do sol entrava pela fresta da veneziana que estava meio aberta pra que o ar pudesse circular pelo quarto naquele verão da Moóca e meio fechada pra que os vizinhos do prédio em frente não pudessem ver o que eu vislumbrava. O corpo dela. Nu. Lânguido, fresco e lindo estendido de bruços ali na cama. A luz contornando o bumbunzinho arrebitado, as costas, a mandala tatuada na altura dos ombros e os pelinhos finos que desciam pela nuca perfumosa e delicada. A luz se derramava sobre ela, se jogava, se deitava em suas costas repousando sobre a pele. Descansando ali.
Apoiada pelos cotovelos ela gesticulava, ria sozinha, tirava os fios de cabelo que grudavam nos lábios e vez ou outra me olhava pra ver se eu ainda estava prestando atenção na conversa.

Eu não estava. Só lembro de concordar que se o John Lennon estivesse vivo até hoje certamente estaria fazendo música eletrônica.

domingo, 1 de novembro de 2009

Ligo ou não ligo?

Eu pego o telefone, busco o nome na agenda. Fico olhando pra telinha brilhante e pensando "ligo ou não ligo?". Decido que sim mas lembro que não tenho nenhum assunto pra começar. Muito pouco tinha sido dito na noite anterior e as únicas informações trocadas morreram ali mesmo, entre beijos angustiados com gosto de cerveja e nicotina. Pouco foi dito depois dos gemidos, pouco foi revelado por debaixo da pele. Só banalidades. Considerações sobre o tempo, engarrafamento, trabalhos etc. E nada disso serve pra começar uma conversa telefônica com uma desconhecida que você levou pra cama.
Culpa das convenções sociais. Seria bem mais simples esperar ela atender, dizer "oi" se identificar e lançar "estou superafim de mais uma sessão de sexo casual, você não?"
Mas não dá! É preciso buscar um assunto e esse assunto tem de ser suficientemente interessante pra entretê-la algum tempo e desviar a atenção para o fato de que você é o mais completo idiota. Se essa parte for bem sucedida é preciso talvez convidá-la pra jantar, buscá-la em casa, pagar o jantar e torcer pra que, em nenhum momento do jantar ou do caminho até o restaurante ela tenha suspeitado do tamanho de sua miserabilidade.
No caso (improvável) de ter obtido sucesso até aí, é chegado o momento pelo qual você suportou todas as mazelas e o receio de que ela desistisse no meio do caminho. Pra isso bastam dois minutos. Depois vem os próximos 28 minutos em que você reza pra se aguentar e torce pra que ela comece logo todos aqueles gemidos da noite anterior.

Suado, tremendo, apreensivo e me sentindo o mais mazelado dos seres humanos eu continuo olhando pra telinha brilhando e penso: "E então? Ligo ou não ligo?"

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Casal Perfeito

Recebi isso pelo Twitter e não pude me furtar a compartilhar com vocês!



segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Bufo & Spallanzani - Parte Final

Nosso primeiro encontro, no meu apartamento, foi uma coisa dantesca. Eu estava louco de desejo e ela me olhava com os olhos arregalados, pasma e ofegante. Tive que tirar sua roupa e colocá-la nua na cama, suntuosa, os cabelos negros e a pele branca luzindo, quando então aconteceu essa coisa formidanda: o meu pênis ficou inerte, encolheu. desgraça maior não pode acontecer a um homem, Comecei a sua em pânico, beijando-a, acariciando-a de maneira agoniada que só fazia aumentar a minha impotência. Ela tentou me ajudar, mas também ficou nervosa e estava assustada pois pensava, como me disse depois, que havia alguém escondido embaixo da cama. Levantou-se e foi ao banheiro. Fiquei na cama manuseando o meu pau desesperadamente, inutilmente, um longo tempo, até que comecei a chorar. Imagine um homem gordo e nu chorando numa cama, tentando fazer o seu pau levantar. Afinal limpei os olhos, enfiei-me num robe e fui ver o que ela fazia dentro do banheiro.
Estava sentada na tampa do vaso sanitário, pernas cruzadas, desconsolada, olhando as unhas, meio acorcundada, até uma barriguinha adiposa surgira no seu ventre impoluto; a maquiagem em torno dos olhos derretera, e ela me fitou com um olhar patético. Liguei o gás do aquecedor, talvez pensasse que um banho nos purificaria, nos fizesse esquecer aquele horror, voltasse a encher o meu pênis de sangue. Subitamente o aquecedor explodiu.
Atirei-me sobre ela para protegê-la, caímos ao chão e naquele inferno de fogo e fumaça nossos corpos se conciliaram numa cópula excelsa e delirante. Só à noite percebi que meu corpo estava empolado de queimaduras. Creio que foi nesse dia que me decidi, ao comprovar a superioridade do tesão sobre a dor, a escrever Bufo & Spallanzani.

Trecho do livro Bufo & Spallanzani de Rubem Fonseca

Bufo & Spallanzani - Primeira Parte

"Ela sentou-se para assistir a uma exibição de slides, encostou as costas retas no espaldar da cadeira e cruzou as pernas deixando os joelhos aparecerem. Usava um vestido de seda e o tecido fino delineava a forma atraente de suas coxas. Tive vontade de me ajoelhar a seus pés mas achei melhor uma abordagem convencional. Os slides eram todos quadros de Chagall. 'Você gosta de Chagall?', perguntei na primeira oportunidade. Ela respondeu que sim. 'Essa gente toda voando', eu disse e ela respondeu que Chagall era um artista que acreditava acima de tudo no amor. Na mão esquerda dela, no dedo anelar, havia um anel de brilhantes. Devia ter uns trinta anos de idade e uns cinco de casada, que é quando as mulheres começam a perceber que o casamento é uma coisa opressiva, doentia mesmo, iníqua e estiolante; além das privações sexuais que passam a sofrer, pois os maridos já cansaram delas. Uma mulher dessas é presa fácil, o sonho romântico acabou, restou a desilusão, o tédio, a perturbação moral, a vulnerabilidade. Então aparece um libertino como eu e seduz a pobre mulher. Ali estava uma pessoa que acreditava no amor. 'Que nul ne meure qu'il n'ait aimé', eu disse. O francês pode ser uma língua morta, mas é linda e funciona muito bem com as burguesas. 'Infelizmente o mundo não é como os poetas querem', disse ela. Convidei-a para jantar, ela hesitou e acabou aceitando almoçar comigo. Era a primeira vez que ia a um restaurante com um homem que não fosse o marido.

O marido era um homem de muitas posses e prestígio social. O casamento deles, como disse, chegara àquele ponto em que a rotina criara o tédio e o tédio a apatia e a apatia a ansiedade, depois a incompreensão, a aversão, e por aí afora. Ela tentou reverter esse processo viajando com o marido à Índia, à China, cada vez mais longe, como se os problemas não o acompanhassem. Fez o marido comprar fazenda perto (a outra que possuíam, era no Mato Grosso), deu mamadeira para os cabritos umas três vezes e depois não achou mais graça naquilo. Tentou ter filhos, mas era estéril: dedicou-se à beneficência, entrando para a diretoria de uma associação destinada a recuperar prostitutas e mendigos.

No primeiro dia em que almoçamos juntos ela praticamente nada comeu. Bebeu uma taça de vinho. falamos de livros e ela disse que não gostava de literatura brasileira e admitiu cândidamente que não havia lido nenhum dos meus livros o que destrói a sua teoria, minha querida, de que ela estava deslumbrada pelo escritor. perguntei qual era o autor da sua preferência e ela citou o Moravia. Lera La Vita Interiore e L'amante Infelice, no original, fez questão de dizer. Ter mencionado Moravia deu-me a oportunidade que esperava de falar de sexo. Disse a ela que eu encarava o sexo, na vida e na literatura, da mesma maneira que o Moravia, isto é, algo que não deve ser pervertido pela metáfora, mesmo porque nada há que se lhe assemelhe ou lhe seja análogo. Desenvolvi este raciocínio astuto que desembocou naturalmente no campo das considerações de ordem pessoal. Os velhos e sovados temas da liberdade sexual, da paixão sem possessão, do hedonismo, do direito ao prazer foram espertamente abordados por mim. Eram cinco horas da tarde e continuávamos no restaurante, ambos falando muito, sem parar, creio que houve um único segundo de silêncio entre nós. Lembro-me que, em certo momento, ela me perguntou qual a diferença entre o sexo praticado por duas pessoas que se amam e o realizado por duas pessoas que apenas se desejam. Respondi: 'confiança, as pessoas que se amam sabem que podem confiar no outro'. Para uma mulher casada, que comtempla pela primeira vez a possibilidade de ter uma aventura amorosa, não existe frase mais instigante e tranquilizadora."

Trecho do livro Bufo & Spallanzani de Rubem Fonseca

sábado, 24 de outubro de 2009

Perdidos na Tradução

Acabei de assistir Lost In Translation, o segundo filme da Sofia Coppola, cujo título foi terrivelmente adaptado para o português como "Encontros e desencontros". Eu já tinha começado a assisti-lo milhões de vezes mas, por algum estranho motivo, nunca tinha conseguido ir até o fim. Hoje consegui. E que choque!
Antes da última cena, quando o Bill Murray salta da limusine e corre atrás da Scarlett Johanson pelas ruas de Tóquio... quando eles se reencontram, logo depois de uma despedida fria e desajeitada e, finalmente ele a agarra e beija seus lábios, meu coração parou. Porque eu sabia... eu sei o que é aquilo. Vivi situação semelhante. Sentimento parecido.
Às vezes a gente se sente tão desolado. Tão isolado, mesmo no meio da multidão, tão sozinho, carente e vilipendiado. Às vezes a gente se sente frágil. Tão vazio que deixa uma pessoa absolutamente desconhecida se aproximar e tomar um pedaço do que é nosso. Em troca, a gente quer um pedaço dessa pessoa pra preencher o vazio. A gente sabe que aquilo é passageiro, que muito provavelmente nenhum dos dois torne a se encontrar novamente e isso faz com que a necessidade de levar um pedaço da outra pessoa torne-se ainda mais imperativo.
E daí vem aquele beijo.
Depois de compartilhar momentos, piadas, bebidas, comidas, conselhos, companhia... ainda falta alguma coisa. Falta a sensação de que aquilo possa ser mais do que parece. De que é mais do que realmente é.
Falta o beijo.
Falta provar da pessoa. Saborear uma fração do que ela é. Tocar os lábios nos lábios dela pra ter uma lembrança física, pra guardar aquilo e levar consigo pra casa.

O beijo mesmo, acaba. Acaba e fica ali. A sensação dele some tão logo os corpos se desencostem. Mas a sensação de ter tomado algo, a saciedade de ter dado vazão aos ímpetos, isso te acompanha. Isso te dá a certeza de que nada ficou pra trás. De que nada ficou faltando.
O beijo deixa a certeza de que, mesmo por um breve momento, os dois quiseram a mesma coisa. De que os dois eram iguais.
De que os dois falavam a mesma língua.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Refúgio

Nunca ter feito faculdade era algo que me frustrava um pouco. Todos os meus amigos estavam se formando ou entrando na faculdade, estavam ocupados com provas, trabalhos, TCCs e eu mesmo nunca havia experimentado essa sensação.
Então, quando tomei a decisão de começar a estudar, de ir pra uma escola de design senti que, mesmo já trabalhando com isso há alguns anos, eu finalmente começava a ser um profissional.
Como tinha pouco dinheiro, tive que me virar e pedir ajuda pra custear os estudos e ter conseguido isso, ter levantado uma tremenda grana emprestada me deu a certeza de que as pessoas botavam fé no meu talento e me apoiavam plenamente na minha escolha e na minha decisão.
Exceto por uma pessoa: minha esposa.

Em vez de ficar feliz, em vez de me apoiar e sorrir dizendo que tinha certeza de que isso me faria um profissional mais preparado, uma pessoa melhor, ela teve uma ligeira crise de ciúmes provocada pelo fato de que eu teria de viajar pra São Paulo todos os sábados durante três anos pra ver realizado meus estudos.
Ela sentiu medo de que eu conhecesse pessoas maiores que ela em vez de orgulho pelo meu crescimento. E por mais que eu tivesse o apoio do resto do mundo, a desaprovação dela me desolava.
Quando contei isso pra Gisele, que também era desenhista, tinha sido minha namorada e agora era uma grande amiga, ela ficou tão chocada quanto eu.
Me garantiu apoio total, me declarou orgulho e confessou inveja.
Eu fiquei tão grato que tomei-a nos braços e beijei sua boca como se aquele fosse meu último refúgio.
Depois sorri, virei as costas e voltei pra casa.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O dia do mico

Dizer pra uma mulher que você não quer compromisso, que aquilo é só um caso e que não há disponibilidade pra um namoro é o mesmo que dizer exatamente o contrário disso!
Parece que elas apreciam o desafio de tentar mudar a cabeça do homem. Parece que elas se sentem motivadas a testar seu poder de sedução. Daí sim, fazem questão de tentar te amarrar!

Era véspera do dia das mães e eu tinha conhecido uma guria linda que estudava na mesma escola onde eu tinha estudado. Ela havia me encomendado um retrato com grafite e acabamos fazendo amizade.
Numa tarde, fui com minha mãe até a escola assistir uma peça de teatro que seria encenada pela classe da minha irmã. No fim da apresentação haveria uma homenagem a todas as mães de alunos e seriam distribuídos botões de rosas.
Interessado que eu estava em conseguir daquela guria bem mais que sua amizade, convidei-a pra me acompanhar e nos sentamos na primeira fila. Enquanto assistíamos à peça, trocávamos palavras ao pé do ouvido, carícias discretas e acabamos nos dando as mãos.

Ela era maravilhosa e eu estava completamente entregue. Em transe. Quase em êxtase, quando minha irmã apareceu e me tirou do torpor apaixonado pra dizer, em tom de bronca, que a Jane estava na coxia, aos prantos porque tinha comprado um buquê pra me dar no fim da apresentação e acabara de me ver agarrado à garota ao meu lado.
Fiquei chateado mas (pelo amor de Deus!) eu já tinha explicado que meu negócio com ela era só um caso, que não havia qualquer tipo de compromisso envolvido ali! O que é que a Jane esperava?

Tentei dar o fora do teatro antes que aquilo desse merda mas meu novo caso, tendo escutado minha irmã falar decidiu prostrar-se, segurando-me, só pra ver como a coisa toda ia terminar.
Quando as mulheres resolvem medir força umas com as outras, são sempre os homens quem pagam o pato. E o mico.

Não deu outra! No fim da peça, os alunos saíram entregando rosas pras suas mães e a Jane surgiu - impávida - com um buquê gigantesco nos braços. Ela desfilou por toda a plateia e foi em direção à sua mãe.
Quando eu cogitei respirar aliviado, a guria deu meia volta e veio até onde eu estava, roubou-me um beijo daquele jeito abrupto que só ela sabia fazer e, sob os olhares do teatro lotado, deixou o buquê em minhas mãos.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Talita

Se tinha uma coisa que eu detestava era desenhar retratos. Mas naquela época eu não conseguia emprego por causa da proximidade do serviço militar e desenhar retratos era a única forma que eu tinha de tirar alguns trocados.
Uma guria da escola onde eu tinha estudado mostrou pras amigas o retrato a grafite que eu lhe tinha vendido e rapidamente várias outras começaram a me procurar pelo serviço.

A Talita era alguém por quem eu desenharia qualquer coisa de graça. Quando ela me procurou eu não conseguia prestar atenção em qualquer palavra que dissesse. Respondia "Um-hum" e ficava babando azul, hipnotizado por aquele rosto maravilhoso! Os olhos grandes de um verde transparente, a boca fina, rosa e húmida, os dentes claros, perfeitos. A pele branca lisa, fresca exalando o perfume do Óleo de Amêndoas Paixão!
Ficamos amigos imediatamente. No fim da aula eu ia buscá-la e nos sentávamos no canteiro ou na calçada da escola, conversávamos sobre ocultismo, filosofia, sonhos misteriosos, casos antigos, sua família. Eu pegava em suas mãozinhas gorduchas, sentia o perfume de seus cabelos loiros e ondulados, ouvia sua risada irônica, aceitava seus sarros. Ela era incrível e mesmo seu andar desajeitado de gordinha, aquele molejo de pinguim me deixava fascinado.
Eu a queria mas ela era tão especial que, quando acontecesse deveria ser especial também. Deveria ser num momento em que fosse inevitável, nada poderia ser forçado, premeditado, nada poderia ser menos que mágico.

Então, quando a convidei pra me acompanhar na peça de teatro que a classe de minha irmã apresentaria em homenagem às mães, eu não imaginei que seria naquele dia. Quando a Jane veio e provocou toda aquela cena com o buquê eu achei que não seria nunca mais!
Mesmo assim, fiz questão de levá-la até sua casa e acompanhá-la até a porta.
E foi então, sem pensar, sem planejar, só porque o ego dela estava ferido pela investida da outra garota, que eu provei seu beijo. Sob um céu estrelado de primavera, uma lua cheia e prateada, o perfume inebriante do corpo dela... Naquela noite, com uma brisa fria e doce soprando na minha nuca, foi que senti o sabor de língua macia, suave e despudorada da Talita na minha boca pela primeira vez.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

muLheres

Arrependimento é igual sentir saudades de quem já morreu. Você sabe que é inútil, que é sem cura, mas o espírito simplesmente não tem força pra esquecer e deixar aquele sentimento de lado.

Depois que ter perdido a Letícia, nada, nunca mais foi o mesmo.
Eu nunca levei meus casos e namoradas muito a sério. Tinha um relacionamento aberto e bem resolvido com a minha noiva e, embora me apaixonasse amiúde, meu amor era dela. Eu poderia ter a mulher que conseguisse seduzir mas no fim, minha lealdade era da Lúcia. E era sempre pros braços dela que eu voltava quando minhas paixonites se consumiam e apagavam.
A Letícia, porém, abriu a caixa de Pandora e pela primeira vez na vida eu cogitei abandonar meu noivado, meus planos de casamento e oferecer meu coração pra outra mulher.
Quem tudo quer (ou: quem não sabe o que quer) tudo perde e quando a Letícia se foi eu me confrontei com a solidão extrema de ter descoberto que meu amor pela Lúcia tinha ido embora também.
Dois anos depois, quando eu cancelei o casamento há três meses da cerimônia, minha paixão pela Léa foi só a justificativa pra algo que eu já queria e sabia que aconteceria. Só não tinha (ainda) reunido coragem pra fazer.
Depois da Letícia, todos os meus casos foram mornos ou doentios, ou mornos e doentios. Então, quando a Léa trouxe algum colorido, trouxe novidade, trouxe paixão suficiente pra ofuscar a luz (fraca e já agonizante) da Lúcia, foi fácil me entregar de novo. Me doar inteiro. Sentir amor outra vez.

A Lúcia me deu à luz. Letícia me matou. A Léa foi o desfibrilador.

Colocar os fatos lado a lado desse modo ajuda a criar a ilusão confortável de ordem nas coisas. Faz imaginar uma estrutura de roteiro de cinema na vida que, na real, é caótica e nada mais.
Faz pensar no percurso que seguimos na vida e das transformações (às vezes indeléveis) pelas quais passamos.
Faz entender que, nada melhor do que a mulher pra te transformar num homem.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Tudo pela arte

A palavra que melhor descreve o que eu estava sentido é "pânico"!
Ali estava eu, um moleque de 19 anos, morrendo de frio, nu, deitado numa cama alheia e sendo cavalgado por uma mulher beirando os 40, enquanto o marido parado na porta, simplesmente olhava.

Eu estava expondo umas gravuras num evento de artes promovido pela prefeitura da cidade.
A abertura seria um coquetel com figurões, políticos e os artistas expositores, então eu chamei alguns amigos e fomos nos embebedar de graça.

Lá pelas tantas me apareceu um homem puxando papo. Ele pediu que eu fosse ver seus trabalhos. Fui.
Eram pinturas abstratas em acrílica e eu nunca tive dom pra entender e apreciar aquele tipo de abstração. Dei minhas opiniões, ele gostou, descobrimos afinidades artísticas e filosóficas, fizemos amizade e, antes do fim da noite já tínhamos combinado criar juntos uma série de pinturas semi-abstratas de temática erótica.
Na hora de colocar as idéias em prática e começar a produzir as pinturas nos deparamos com o problema da falta de uma modelo.
Se a cabeça do cara não estivesse cheia de segundas intenções, talvez ele tivesse aceitado minha sugestão de contratar umas prostitutas. Como a cabeça do cara estava cheia de segundas intenções, ele sugeriu que a modelo fosse sua esposa e por mim, tudo bem. Meu interesse era a arte.

Foi pela arte que, na primeira sessão, depois de ter esboçado algumas coisas e começado a primeira tela, eu topei posar pra um quadro sobre sexo oral que meu colega tinha planejado.
Foi pela arte e só pela arte, que eu suportei ficar inerte por mais de uma hora tendo contato íntimo com uma desconhecida casada.
Foi tão somente pela arte que eu aceitei posar em meia dúzia de outras posições pra meia dúzia de outros esboços em grafite.

É claro que, depois disso tudo, arte era a última coisa que me passava pela cabeça. A essas alturas eu já tinha sacado que era a vítima pueril de um casal fetichista. Já tinha sentido e passado por cima de todo e qualquer pudor. Já tinha superado todo o pânico e transcendido o que eu achava normal, moral, sensual e aceitável.

Terminado o espetáculo pornográfico encenado pra platéia de um homem só, fui embora.

Os quadros inacabados ficaram lá. Meu conjunto de tintas ficou lá. Os esboços ficaram lá. Minha inocência também. Nunca mais voltei pra buscar.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A mulher quando quer, ninguém segura.

Ela ligou e eu atendi. Era a Jane, colega de classe da minha irmã.
Coisa de umas semanas antes eu tinha ouvido falar dela pela primeira vez. A guria tinha me visto zanzando pela escola num dia qualquer em que eu não tinha nada melhor pra fazer e tinha ido lá falar oi pra uns amigos. Disseram que ela me viu e ficou interessada.

Já passava das oito da noite e, como minha irmã não estava em casa começamos a conversar.
Jane parecia ser bastante interessante, era inteligente, falava bem, tinha bom humor e um sotaque paulistano forte.
Sempre achei muito sexy meninas com sotaque paulistano, aquele jeitinho de entortar o "n", o "r" tremido... marcamos um encontro aquela noite mesmo.
Quando nos encontramos vi que a guria não era tão sexy quanto parecia ao telefone mas, como ainda assim era bastante inteligente, falava bem, tinha bom humor e um sotaque paulistano forte, gostei dela e acabamos ficando amigos.

Ela começou a fazer os trabalhos de escola com minha irmã, frequentava minha casa, fez amizade com meus pais, nos convidava a passar fins de semana em sua casa à beira da represa.
A guria me passava cantadas desconcertantes, inflava meu ego, mandava caixas de trufas de presente, escrevia bilhetes picantes nos meus cadernos de rascunho e, um dia, mandou entregarem um buquê gigantesco de lírios.
A maior surpresa, porém, ainda estava por vir.

Numa tarde, quando eu ia pro curso de francês, encontrei com Jane e uma multidão de seus colegas de classe. Fui abraçá-la como sempre fazia e, de repente, a guria enlaçou meu pescoço com os braços e roubou-me um belo dum beijo.
A multidão começou a aplaudir e como o constrangimento já estava pago e o beijo, no fim das contas, foi muito bom, agarrei-a e retribuí.
Nas semanas que seguiram, tivemos um caso recheado de trufas, buquês, ótimos beijos, finais de semana na rede à beira da represa e bate-papos divertidíssimos.

O dia em que acabou foi tão constrangedor quanto o dia em que começou. Mas isso é história pra outro post.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Escorpião

Ela era de escorpião. Terceiro decanato de escorpião. Se chamava Josie. Mas até então eu não sabia disso.
Sabia que ela era lânguida feito um lince, tinha longos cabelos negros, pernas compridas, quadris esguios, boca grande, lábios finos, um hipnotizante ar blasé, postura de modelo e olhos de sono que não saíam de cima de mim.
Fiquei pensando que ela tivesse me achado esquisito, que se abismara com minha feiúra, que estivesse tirando sarro. Nada disso.

Ela me queria e como eu não fora capaz de perceber por conta própria, Josie fez com que uma amiga viesse me dizer.
Era a festa de aniversário de um dos meus irmãos mais velhos. Uma festa regada a álcool, drogas e rock'n roll. Estávamos todos loucos, bêbados, surdos pelo Led Zeppelin que arrebentava guitarras e baterias no aparelho de som. Tinha chovido e nós mal percebemos. Tinha irrompido a maior tempestade que o estado de São Paulo sofrera em décadas e as ruas estavam cheias de lama, galhos e troncos de árvores derrubados pelo vento.
A tempestade tinha virado a cidade do avesso e a Josie tinha revirado sua língua na minha boca. Tinha desalinhado meu cabelo, amarrotado minha roupa.
A tempestade tinha encharcado as ruas e a Josie tinha me deixado empapado de suor.
A tempestade tinha lambido as copas das árvores, os telhados das casas e a Josie tinha lambido minha pele e deixado marcas roxas no meu pescoço. Vergões nas minhas costas e saliva nos meus ouvidos.

No dia seguinte, a cidade se recuperava do prejuízo causado pelo tornado e eu tentava me recuperar do furacão que tinha me acometido aquela menina de escorpião.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Letícia

Tinha tudo pra ser perfeito.
Eu era jovem, romântico, apaixonado. Todas as tardes arranjava um tempo e ia buscá-la na academia. Às vezes eu a levava até em casa buscando caminhos alternativos pra que ninguém nos visse e pra que levasse mais tempo até chegarmos. Às vezes ela inventava alguma mentira pros pais e íamos pra uma pracinha linda que havia ali perto, cheia de árvores, chão de paralelepípedos e canteiros com lírios amarelos. Nos sentávamos no banco - eu de frente pra ela - e enlaçava meus dedos nos cachinhos dos seus cabelos loiros, rindo sem conseguir escutar nenhuma palavra do que ela dizia, tão hipnotizado eu estava pelas sardas em seu rosto. Pelos seus olhinhos verdes que quase fechavam quando ela sorria com aqueles lábios finos. Um sorriso tão bobo, tão pueril, tão encantador.
Ela era linda, fresca, pura. Jogava hand-ball, fazia dança-do-ventre, tinha a voz rouca, ficava meio dura quando eu a beijava, meio sem jeito. Ela gostava de tirar meus anéis e vesti-los em seus dedos só pra ver o quanto ficavam largos. Não sabia nada de nada e eu tinha de ensiná-la os nomes das constelações, corrigir as concordâncias, discorrer sobre quem era Modigliani.
Eu a escutava reclamar da vida e de problemas tolos e achava graça porque sabia que, de tudo, aqueles eram os menores problemas que ela teria na vida.
Nós andávamos de mãos dadas, mas só quando não tinha ninguém por perto. E quando eu ia em sua casa visitar sua irmã (que era minha amiga), trocávamos olhares cúmplices e disfarçados. Sentávamos bem longe um do outro e quando eu pedia um copo d'água ela se oferecia imediatamente pra buscar. Eu a acompanhava até a porta da geladeira pra que - longe das testemunhas - nos beijássemos um pouco. Depois conversávamos alto pra parecer que nada tinha acontecido. Ríamos e voltávamos pra sala.
Ela escondia furtivamente fotos e cartas de amor nos bolsos da minha mochila e quando eu chegava em casa lia os papéis e os guardava entre as roupas da gaveta.
Eu tinha acabado de receber a dispensa do serviço militar, era cinco anos mais velho que ela, ganhava pouco como auxiliar de borracheiro mas gastei um terço do meu salário numa camisa e outro terço num par de brincos de imitação de topázio.
Antes que eu pudesse lhe entregar o presente, sua irmã mais velha - minha amiga - cheia de cólera e ciúmes por descobrir que estávamos namorando me dedurou. Contou pra minha amada que ela também tinha um caso comigo e que, além disso, eu tinha uma noiva em Minas.

Os brincos nunca saíram da minha gaveta.
Eu tinha feito um desenho em que nós dois nos abraçávamos na pracinha cheia de liríos. Ela nunca viu o desenho. Nunca mais atendeu meus telefonemas e mandou que a recepcionista da academia não me deixasse entrar. Nunca mais olhou no meu rosto. Mudava de calçada se me visse na rua, fazia de conta que não me conhecia. Devolveu meus bilhetes.
E eu sentia mágoa. Menos por tê-la perdido e mais por tê-la perdido sem ter tido a chance de sequer tentar me explicar.

Então, todas as tardes eu me escondia no banheiro da borracharia pra chorar enquanto escutava a torneira da pia pingando o nome dela: Letícia, Letícia, Letícia, Letícia, Letícia...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Memórias

Dizem (embora eu não acredite) que nos últimos suspiros, pouco antes de entregar os pontos pra morte a gente relembra das coisas mais relevantes de nossa vida.

Quando eu era criança minha irmã mais nova tinha uma amiga que tinha uma irmã mais nova. Nós nos apaixonamos, eu e a irmã mais nova da amiga de minha irmã.
Minha família morava num sítio lindo e todos os finais de semana essas duas irmãs iam passear por lá. Um dia, nadando no córrego, a menina deu um mergulho. Eu a acompanhei, segurei em seus braços e beijei seus lábios.

Tinha uma amiga de escola por quem eu era apaixonado na adolescência. Ela tinha namorado (mais velho, mais alto e mais forte que eu). Todos os dias ela vinha até minha sala durante o intervalo e ficávamos conversando. No fim do intervalo ela ia embora e só voltava no dia seguinte. Todos os dias.
Um dia ela deixou de aparecer e só voltou depois de um mês. Durante aquele mês de ausência eu senti tanto a falta dela, senti tanto medo que ela nunca mais voltasse que, no dia em que ela voltou, depois de acabado o intervalo eu segurei-a, olhei em seus olhos e disse: "Eu te amo!" Foi a primeira vez que eu disse aquilo pra alguém.

Eu estudava à noite e estava sentado na calçada da escola, esperando que meu pai viesse me buscar pois minha bicicleta estava no conserto.
Minha aula tinha acabado mais cedo naquele dia e minha namorada tinha ido embora.
A Lúcia tinha aula normal mas, me vendo ali, resolveu fazer companhia.
Éramos inseparáveis. Ela era minha melhor amiga e eu estava prestes a me mudar de Minas pro estado de São Paulo. A perspectiva da separação vinha nos deixando arrasados.
Naquela noite eu olhei pros olhos de Lúcia, agarrei em seu pescoço e beijei-a na boca como se nunca mais fôssemos nos ver.

Tinha uma guria por quem eu sentia tesão. Depois de umas semanas de xaveco, uma noite rolou o beijo. Eu esperava pelo beijo, só não esperava que fosse um beijo tão bom.
A boca da guria era simplesmente a boca mais macia, suave, quente, húmida e safada que eu já tinha beijado até então. Por alguns segundos o tempo parou, eu entrei em êxtase, fui até o paraíso e voltei. Nunca tinha me ocorrido que um reles beijo pudesse gerar sensações tão fortes e alucinantes.

Eu estava trabalhando numa borracharia e namorava uma guria bem mais nova que eu. Ela era irmã da menina do parágrafo logo acima e tinha sido um pequeno milagre que me aconteceu. Ela era doce, linda, meiga, amorosa, pueril, sensível e tinha o beijo parecido com o da irmã mais velha. Era perfeita! Realmente um presente dos céus.
Uma tarde, saindo do trabalho, as mãos cheias de calos, graxa e pó de borracha, o rosto salgado de suor, encontrei com ela que estava a caminho de sua aula de dança do ventre.
Conversamos um pouco e eu disse que queria beijá-la mas estava tão sujo que nem tinha coragem. Antes que eu terminasse de falar ela me puxou pela camiseta e deu-me um beijo demorado, molhado e cheio de paixão.

Depois de ter beijado pela primeira vez a boca da Léa e de ter me certificado de que ela estava perfeitamente consolada, resolvi ir embora. Quando eu estava pra atravessar o portão,lembrei que tinha deixado minha blusa em cima do sofá e voltei pra buscar. Ao chegar na porta, Léa estava lá me esperando já com a blusa na mão. Antes de me devolver, ela cheirou a blusa e sorriu. Aquilo me apaixonou.

Na segunda vez que encontrei a Renata tínhamos marcado de ir no cinema. Eu ainda estava inseguro sobre qual seria o momento certo de beijá-la de novo e temia que ela pudesse não querer. No meio da sessão, deixei que minha mão caísse sobre a dela e a guria se pôs a acarinhar minha palma com seu polegar. Foi quando eu suspeitei pela primeira vez que aquilo daria bem mais que um mero affair.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Óleo de Amêndoas Paixão

Das gurias que passaram pela minha vida, nenhuma foi tão responsável pela construção do meu gosto para mulheres quanto a Angélica.
Ela era sobrinha de uma amiga da juventude de minha mãe.
Todo final de ano, quando viajávamos pra cidade em que minha mãe crescera, eu me encontrava com Angélica.

Eu mal sabia escrever e já tinha um tesão por ela. A guria era uma coisinha desengonçada, raquítica, cabeluda e de voz estridente. Mas eu a adorava.

Mais de 8 anos depois eu tinha 14 e minha família se mudou praquela cidade e, depois de muito tempo, reencontrei inesperadamente minha paixonite platônica de infância.
Angélica estava agora com 16 anos. Suas coxas tinham engrossado, os peitos crescido, sua boca tinha tornado-se um pecado carnudo e vermelho, sua voz suave. O cabelo continuava a mesma coisa.
Nos tornamos amigos imediatamente. Ela ia sempre em casa, conversávamos sobre sexo, eu lia meus textos e poemas adolescentóides e ela me falava sobre coisas da vida que eu (submerso em meu mundinho nerd) desconhecia como, por exemplo, o fascinante conceito de "ficar".
Poder beijar e usufruir do corpo de uma pessoa sem maiores compromissos era uma ideia que nunca tinha me ocorrido e que soou linda e mágica. Quase divina! E agora que eu tinha aprendido, tudo o que eu queria era "ficar" com Angélica.
Ela sabia disso. Me seduzia, brincava a respeito, provocava, achava tudo bem quando eu ameaçava roubar-lhe um beijo enquanto dormisse. Mas eu só ameaçava.

Isso não mudou no decorrer dos 18 meses em que moramos na mesma cidade. Angélica foi tornando-se meu modelo de mulher ideal. Eu gostava das roupas que ela vestia, os jeans justos, blusinhas leves e rendadas, batas românticas, aquela imensa cabeleira negra, ondulada e incontrolável, os batons super vermelhos, os olhos grandes, o perfume...

Depois eu me mudei. Cresci. Deixei de ser tão moleque e tão tímido. Numas férias, fui sozinho pra cidade e a primeira pessoa que visitei foi ela: minha musa morena. Minha própria Sônia Braga.
Conversamos por horas a fio sobre milhões de assuntos e quando vez por outra nos tocávamos, brotava uma faísca elétrica que espalhava um desejo absurdo por nossos corpos, arrepiando a pele e deixando a boca cheia de saliva, as pupilas dilatadas...
Quando a avó de Angélica inocentemente me convidou a pernoitar por ali eu não hesitei em aceitar.
Depois do banho, Angélica veio assistir televisão usando um camisetão comprido, desses de flanela e pôs-se a besuntar as coxas e os braços com Óleo de Amêndoas Paixão enquanto ria displicentemente de alguma cena da novela.

Os velhos foram dormir cedo como dormiam (pra nossa sorte) todos os velhos e a madrugada foi só nossa. E foi cheia do perfume inebriante daquele óleo, de respirações ofegantes e línguas molhadas ao pé do ouvido, de arranhões na pele, chupões nos pescoços, virilhas, seios, peito, costas, lingeries semi-transparentes pelo chão, fios de cabelos presos em suor, marcas de dentes nos ombros e felicidade.
A felicidade que só a saciedade de uma fome de anos pode proporcionar.

....................

Depois disso fui embora. Eu e Angélica nunca mais nos falamos.
Só sei que ela se casou, tem pelo menos um filho e durante anos, muitas das minhas namoradas tiveram de usar Óleo de Amêndoas Paixão.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Diálogo 05

_Por quê que você é assim?
_Assim como?
_Assim, canalha.
_???
_Por quê é que você fica comigo se você tem uma noiva?
_Bom... Em parte porque você consente. E também porque eu gosto muito de você e gosto muito da minha noiva. Porque ela tem um pouco de tudo o que eu espero numa mulher ideal e você tem mais um pouco.
_Quer dizer que eu e ela juntas somos a sua "mulher ideal"?
_Não. Mas chegam beeeem perto.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Lustrando os Cornos

Em se tratando de relacionamentos amorosos quase nada é certo e absoluto. Tudo é variável!
Exceto isso: "um dia você será corno".

Pode parecer triste, pode soar fatalismo mas é fato. Pelo menos uma vez na vida você se verá lustrando os chifres.

Eu tive muitas namoradas e é possível que pelo menos metade delas tenha ornado minha cabeça de alguma forma. Nunca vi nada. Nunca soube de nada. Pra falar a verdade, nunca tive sequer desconfianças.
Exceto uma vez. Exceto com uma garota. Exceto no meu casamento.

Nesta ocasião eu tive minhas suspeitas. Fiz minhas investigações. Descobri os fatos. E pela primeira vez na vida me vi - comprovadamente - corneado.

É incrível a sensação de impotência que se tem. Sentir-se ultrajado, enojado, traído, roubado, humilhado, conspurcado, reduzido, envergonhado, abandonado, ferido e milhões de outros adjetivos nada agradáveis que eu poderia perder horas escrevendo.
Você se sente tudo de ruim. O lixo do mundo. A escória dos homens.
E depois você sente raiva. Pensa em comprar um 38. Substitui a ideia do 38 pela ideia de um punhal pra tornar tudo mais lento e doloroso pra quem quer que seja a vítima da sua fúria (o cônjuge traidor, o amante ou os dois).
Depois você pensa em perdoar. Depois você pensa em sexo. Pensa no corpo que era seu sendo desfrutado por outro macho e isso te dá nojo.
Pensa nas nuances, nos pequenos detalhes, nas piadas internas, em tudo de corriqueiro e lindo que foi sendo construído ao longo dos anos, sendo jogado fora em favor de uma noite de frivolidades sexuais.
Então você abandona a ideia de perdoar e volta a ter raiva. Mas agora uma raiva diferente. Controlada. Calculista.
Você arquiteta uma vingança.
E mesmo que você nunca execute a vingança, você a arquiteta nos menores detalhes. Seu desejo é retribuir toda a humilhação sentida. Tentar fazer com que a pessoa perceba quão grave foi o crime. Fazer com que a pessoa lamente ter cometido esse erro. Fazer com que a pessoa sofra pra que você se sinta menos injustiçado. Menos roubado.

É claro que não funciona.

A única coisa que funciona, a única coisa que resolve realmente é o tempo. Diferente do prazer a dor não deixa sabor residual. Tão logo a dor se vá, vai com ela a lembrança da dor.
Depois disso, você pode até não perdoar, mas também já não liga tanto.
E com relação ao corno, a melhor parte é que só o primeiro dói realmente.
Depois da primeira vez, você já não sofre tanto se for traído uma segunda. Ou melhor dizendo: se DESCOBRIR que foi traído uma segunda.
Porque o corno só existe se você sabe dele.



sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Marina is on fire!

Minha amiga Marina (nome fictício) casou-se cedo. Isso levando em conta que, na minha opinião, a idade certa pra casar é nunca!
O problema é que - apesar de meus conselhos em contrário - Marina casou-se com o primeiro homem de sua vida.
A maioria das mulheres já está razoavelmente equivocada quando casa-se com o "homem de sua vida"... quando casa-se com o "primeiro homem de sua vida" o desastre é certo!

Aconteceu exatamente o que eu tinha previsto: pouco antes das bodas de açúcar Marina começou a querer botar mais pimenta em sua vida.

É patente que (nos tempos atuais de igualdade entre os sexos, quando as mulheres trabalham fora, têm seus carros, vão sozinhas pras baladas, fazem faculdade e estão expostas ao assédio de pessoas interessantes e bonitas pipocando por todos os lados) fica difícil não sentir - no mínimo - curiosidade de conhecer outros corpos, outras realidades, outras maneiras e estilos de se fazer sexo, de se beijar, de se amar.
Dependendo do quão intensamente essa curiosidade se manifeste, o mais provável é que ela deixe rapidinho de ser só uma curiosidade.

Quando uma guria como a Marina, dona de si, trabalhadora e inteligente, se submete ao absurdo de conhecer sexualmente um único homem e assume com este homem o compromisso da fidelidade, é óbvio que em algum momento ela vai desejar não mais cumprir com esse compromisso! É lógico que ela vai querer saber o que é outro homem (ou mulher) dentro dela!
É certo que isso vá acontecer! Exato como dois e dois são quatro!

Pois a Marina, em chamas, conheceu um moço interessante que a fez sentir o gostinho perigoso e excitante da pimenta queimando-lhe a língua. E adorou.

Alguém pode culpá-la? I don't think so!

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Não entendo quem não se apaixone

Pessoas.
Eis a coisa mais incrível e fascinante, mais complexa e linda do mundo!
Eu adoro as pessoas. Por isso não consigo entender, não consigo aceitar quem aja de forma casual, superficial... não consigo entender quem não se apaixona.

Eu me apaixono o tempo todo!
Cada mulher inteligente, exótica, moderna que conheço, PAM! O coração dá um tranco! As artérias se expandem, a boca saliva, o cabelo se eriça e a adrenalina se derrama na veia!

Quase nunca dou vazão a essa paixão. Deixo a pessoa ir embora, guardo na lembrança, sorrio e toco a vida. Mas à vezes não! Às vezes me faço ser visto, conhecido e (com sorte) consumido pela pessoa.

Quando a coisa chega nesse estágio eu sinto a paixão - vivo a paixão com a intensidade do fogo de uma caldeira. Nada dura pra sempre e se o fogo uma hora acaba, que queime muito enquanto estiver aceso. Que consuma tudo. Que nada reste!

Por isso não entendo quem se dê só um pouco, quem não se empolgue, não se entregue, não se jogue. Quem não sinta o medo de que ela não atenda a ligação, quem não sofra a dúvida se ela gostará do vinho. Quem não tenha receio de brochar na primeira transa.
Não entendo quem - estando apaixonado - não acorde já tendo de conter o ímpeto de pegar o telefone, tome o café pensando se ela gostaria de provar aquele sabor, tire o extrato do banco calculando se o saldo paga a conta do bom restaurante, do bom motel, do bom teatro, daquela jóia que você viu na vitrine e achou que combinaria com o pescocinho lânguido dela.
Não entendo quem não queira guardar intacta a jaqueta que foi emprestada e ficou impregnada pelo perfume. Quem não fique ansioso pela resposta ao sms, quem não abra o messenger de 10 em 10 minutos pra ver se ela já está on-line.
Não entendo e me recuso a aceitar quem não perca o apetite, o sono, o vôo marcado com uma semana de antecedência por causa de alguém que você conheceu há três ou quatro dias atrás e que te fez sentir-se vivo de novo. Fez sentir-se criança.
Um moleque ansioso que acorda cedo no dia 25 de Dezembro e olha embaixo da cama pra procurar o embrulho do presente de natal.

Não. Eu não entendo e me irrito com quem não vê o milagre que é ter permissão de inserir-se na boca e no sexo de um terceiro. Quem não percebe que é mágico encontrar alguém que dispare automaticamente suas sinapses. Quem não note o inusitado de alguém estimular seu cérebro a se embebedar de feniletilamina. Quem não sinta o quão sagrado é ansiar dividir sua vida com alguém que - até agora a pouco - nem existia pra você.

Eu me apaixono. Muito, fácil, amiúde. Toda vez é a mesma coisa. E eu não me canso nunca!

Descompromisso

Eu sempre busquei uma relação pra vida toda. Uma guria que pudesse me preencher a ponto de eu não precisar de mais ninguém. Mesmo quando eu me metia com garotas que não tinham nada a ver comigo, aquelas que você olha e pensa: "Tou fazendo o quê aqui?"
Mesmo com essas garotas eu buscava.
Queria um namoro sério, queria o compromisso, apostar que seria eterno. Eu queria constituir um patrimônio emocional, começar a montar minha família. Queria uma esposa.

Também não sei porque um moleque como eu, entre 18 e 25 anos buscava uma coisa absurda dessas! Mas eu buscava. Buscava tanto que acabei morando três anos e meio com uma guria, logo depois de cancelar - com outra garota - um casamento a três meses de acontecer!

Está aí a máxima que não me deixa mentir: "Quem procura acha!" e depois disso satisfiz minha sanha.

Na relação seguinte eu não queria nada. Estava na onda da farra, da solteirice recém conquistada, do descompromisso, na onda da putaria!
Pela primeira vez na vida eu não tinha expectativas, não tinha cobranças... só a doce e leve paixão. Sem torcida pra relação durar a vida toda, sem ansiedade pra dizer ou ouvir "eu te amo", sem brincar de escolher o nome do filho.

Só havia a leveza de jantares animados, noitadas de sexo e prosecco, sessões de cinema nas quartas, beijos molhados de quinze minutos, compras em shoppings nos domingos, DVDs aos sábados, shows de rock regados à álcool e drogas, presentes sem data marcada...

Aprendi a ser leve. Aprendi tão bem que estou nessa onda há dois anos. Com a mesma pessoa!

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Diálogo 04*

Ela: "E tu? Separou por que?"
Ele: "Não sei. Ficou Chato."
Ela: "De repente?"
Ele: "Não. Aos poucos. Acho que é sempre assim: acontece aos poucos e... a gente percebe de repente."

(*) Diálogo extraído do curta-metragem "O sanduíche" do (meu herói) Jorge Furtado.



quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Jiló

Quando eu postei o texto "Lasanha" na semana passada, eu disse que às vezes estar dentro do modelo tradicional de relacionamentos, em que você promete fidelidade (embora quase nunca cumpra) e busca passar anos com aquela mesma pessoa (esperando que dure a vida inteira, mas nunca dura), compara-se com amar lasanha e só comer isso pelo resto da vida!

Meu amigo Lucas, sempre muito perspicaz fez um comentário, eu diria, assaz oportuno: "Enquanto se tratarem de lasagnas, canelones, feijoadas, moranguinhos e até mesmo sanduiches de presunto, pode ser que até daria certo, mas e quanto aos jilós, jacas, tofus e cupuaçus? Acho que o amigo do primeiro exemplo deveria se sentir um jiló namorando uma macarronada e não estava se sentindo bem nesse rodízio."

Eu ia escrever um post dizendo o que acho, mas nem precisei. Uma guria muito mais inteligente, competente e com nome de coisa viciante já fez isso. E de forma magistral!
Assim sendo, abstenho-me a somente publicar o link pro texto e blog dela.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Fazendinha

Quando eu morava no sítio uma das coisas de que mais gostava era brincar de fazendinha!
Eu escolhia um canto qualquer do quintal e ali erigia a miniatura de um latifúndio: construía a casa sede em papelão, montava o curral com varetas, cavava um poço, fazia um mata-burros, estendia as cercas usando galhos e barbantes de náilon ou algodão, pavimentava os acessos aos pastos... cheio de prazer e meticulosidade eu planejava o funcionamento de tudo, transpunha as possíveis dificuldades que o terreno escolhido pro empreendimento me propunha e perdia ali tardes e mais tardes.
Levava uma semana ou mais até que tudo estivesse perfeitamente consolidado e pronto pra funcionar. Neste momento eu abandonava tudo, escolhia outro canto do quintal e começava a erguer outra fazendinha, mais complexa, maior e mais sofisticada que a primeira.
A graça era construir.
Depois de pronta, a fazendinha de brinquedo não oferecia qualquer desafio. Não tinha mais encantos, não tinha mais problemas a resolver. Tudo funcionava perfeitamente.

Quando eu cresci e comecei a namorar a coisa continuou mais ou menos do mesmo jeito. Mas em vez de fazendinhas eu construía relações: escolhia uma menina, me fazia ser conhecido por ela, trabalhava pra criar empatia, conquistava sua amizade, depois seu desejo e por fim seu coração. Uma vez que a moça estava entregue, conquistada e apaixonada, perdia subitamente o encanto. Era hora de partir pra próxima!

Com o tempo, em vez de conquistas eu fui colecionando desafetos. Percebi que havia alguma coisa errada no modo com eu fazia as coisas. As construções eram erigidas mas ruíam quando eu começava a erguer outros alicerces.
Foi então que eu percebi que o processo de conquista não acaba quando a pessoa se apaixona por você. O processo não acaba nunca!
Conquistar o coração de uma pessoa envolve cuidado e manutenção constantes. Cada dia é o momento de erguer um pavimento ou consertar uma rachadura, refazer a pintura que desbotou, tratar as possíveis infiltrações... zelar pra que aquilo não se desfaça como os prédios do juiz Lalau. Lembram-se dele?

Uma relação começa todo dia. A cada dia que se beija, que se diz bom dia, toma-se o café juntos, discute-se as despesas do mês, compra-se a cortina nova, viaja-se pra ver os pais, reserva-se um chalé em Campos do Jordão, penteia-se os cabelos, aluga-se um DVD, empresta-se um dinheiro, conta-se um segredo, escreve-se um bilhete no guardanapo, esconde-se um presente no fundo do guarda-roupas, escolhe-se um brinco.
Uma relação começa todo dia quando você acorda irritado com o zunido cricri do despertador, abre os olhos com dificuldade e vê o rosto dela afundado no travesseiro fofo, com os cabelos pretos cobrindo metade do rosto e ela te sorri, com os olhos inchados e diz: "Eu amo você."

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O próximo é sempre o melhor

Eu tive uma amiga chamada Taty que era uma mulher como poucas que conheci.
Era forte, inteligente, dona de si. Tinha confiança, determinação, vaidade, um ofício que amava, sua própria casa, gostava de festas, perfumes, flores. Gostava de dançar, de comprar roupas novas e de dar presentes.
Não tinha namorado e nem queria. Preferia não atrelar-se a ninguém. Preferia seus eventuais affairs, os homens que lhe faziam companhia, que lhe faziam amor e depois voltavam pra suas casas, pra suas vidas e - às vezes - pra suas esposas previsíveis.
Ela não fazia tipo. Era autêntica. Amava-se acima de tudo e amava seu estilo de vida. Era uma guria a quem nunca se via triste ou amuada, o sorriso era sua constante.
Quando falava de seus amantes ela usava uma frase que, na época eu achava só engraçada mas depois vi que tinha peso, filosofia. Tinha razão de ser a aplicava-se a tudo na vida, não só a amantes.

Quando eu era noivo da Lúcia, achava que a mulher que eu tinha escolhido pra companheira era a mais perfeita que poderia encontrar. Achava que ninguém mais no mundo poderia me entender e me completar tão bem quanto aquela pequena e doce ariana. Até conhecer a Léa.
Passei anos crendo que a Léa era um presente. Um milagre que me foi concedido pra descobrir meu lugar no mundo e me ajudar a crescer, me ajudar a sair da adolescência. Até que tudo acabou e eu fiquei sem chão.
Então conheci a Renata que me mostrou que a minha força era maior do que eu pensava. Que o mundo não era rude e pesado como eu via e que o amor não pede nada em troca. Ele só dá.
De lá pra cá eu mudei de cidade, de emprego, de ofício, de filosofia de vida, mudei minhas roupas, minhas gírias, voltei a ser jovem. Mudei de vida.
Mudei pra uma vida bem melhor.

A Taty sempre dizia isso e eu nunca tinha notado. A Taty não tinha medo do novo enquanto eu tentava sempre manter tudo estável.
A Taty falava dos amantes e dizia: "O próximo é sempre o melhor" e eu achava que ela falava só dos amantes.

sábado, 15 de agosto de 2009

10 de Dezembro de 2003

Tem uns momentos na vida em que nos sentimos solitários, vazios, vilipendiados, pobres e abandonados. Momentos em que tudo o que queremos é uma companhia boa, mansa e carinhosa. Uma palavra de amor que nos faça sentir que temos um lugar no mundo. Um abraço que nos faça perceber que somos amados. Um beijo que nos faça sentir que ainda somos desejados (e desejáveis).
Eu tive centenas de momentos como esse, e quase sempre amanhecia o dia ainda sozinho. Então, quando a guria me olhou com aqueles olhos vermelhos e cheios de água, a boca levemente retorcida tentando segurar o primeiro soluço de um choro que, se viesse a faria desabar, as sobrancelhas arqueadas, as mãozinhas gorduchas postas sobre as coxas apertando-se num limiar de desespero. Quando ela me olhou implorando um abraço eu abracei sim. Mas também segurei em sua nuca com força e beijei-lhe a boca. Beijei pra mostrar que tudo podia melhorar. Que ninguém é o lixo que às vezes pensa ser. Que se por uma lado uma pessoa te abandona, por outro existe alguém que te acolhe.

Eu estava saindo do bar e indo pra casa numa quarta-feira à noite quando o celular tocou e era a Léa namorada do Ricardo, um de meus amigos mais frequentes. Desde a adolescência as pessoas à minha volta usavam-me de conselheiro e aquilo já tinha se tornado quase rotina na minha vida. Mesmo sendo cético, eu comecei a interpretar aquilo como um tipo de "missão divida" e atuava de forma tão séria quanto se fosse uma profissão. No telefone, a menina chorava porque meu amigo havia recém terminado o namoro com ela. Não pensei duas vezes: desviei meu caminho e fui até sua casa.
Quando eu cheguei ela já estava mais calma. Os olhinhos um pouco inchados, as bochechas rubras, mas sorriu quando me abriu a porta.
Não me ofereceu água nem nada pra comer. Só indicou um lugar no sofá e eu sentei. No outro sofá dormia sua filhinha de dois anos e meio, coberta por uma manta cor-de-rosa e uma chupeta imensa na boca.
Começamos a conversar e ela me contou como foi a discussão com o Ricardo, de como ele parecia resoluto na decisão de abandoná-la e de como ela se sentira a mulher mais incapaz de ser amada do mundo.
Sua mágoa era grande porque o pai de sua filha havia lhe abandonado há pouco menos de um ano, trocando-a por outra. O Ricardo tinha sido sua primeira relação depois do fim de seu breve casamento e, apenas 3 meses depois, ele também lhe deixara pra trás.
Eu falei sobre o que eu cria ser o mecanismo da vida. Sobre a força que ela tinha de ter pra cuidar de si e da filha. Mas naquele momento ela não tinha força alguma dentro de si.
Meu coração se desfez vendo-a tão vulnerável, tão doce e tão seca de propósito.
As bochechinhas rosadas. Os ombros caídos. Sua alma, tão pequena e despreparada pedindo socorro. Ela era tão nova pra já estar vivendo aquilo tudo... sozinha numa casa com uma criança de dois anos.

Ela tirou uns fios dourados de cabelo que grudaram no rosto húmido, eu segurei sua mão, abracei sua nuca e suguei de sua boca todo o choro. Tentei tirar dali de dentro aquela dor que era demais. Tentei preencher aquele vazio com o que quer que houvesse dentro de mim. E o que tinha dentro de mim também era fraqueza. Também era carência. E eu me apaixonei.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Gerações

Nos anos 80 os jovens gostavam de maconha. O sexo era casual mas só rolava lá pelos 18, 19 anos. Alguns eram politizados, outros não. As festas chamavam-se "baile" e a música da vez era o punk rock. Principalmente o nacional. As meninas usavam calça jeans de cós alto e os cabelos eram repicados ou com permanente.
No anos 80 a juventude era romântica, mas de um jeito pueril. Pensava-se em casamento, pensava-se em ter filhos mas não agora. Nem tão logo. Eram rebeldes, com ou sem causa.
Os jovens dos anos 80 inventaram o "ficar". Mas namoravam muito, embora cada namoro durasse muito, muito pouco.
Os meninos eram rudes. Mas não grossos.
A Juventude dos anos 80 fez faculdade de jornalismo, filosofia, sociologia e direito.
Hoje eles jogam poker, falam de putas e fumam maconha.

Nos anos 90 os jovens gostavam de cocaína. Pra quem não tinha dinheiro servia até as versões menos nobres como a pasta de cocaína (o crack só viria um bocado depois). Rolava sexo casual mas as pessoas queriam que houvesse algo mais além de sexo. Queriam que houvesse amor, envolvimento, química... Os jovens dos anos 90 começavam a acostumar-se à camisinha e ainda tinham medo da AIDS (novidade trazida pelos anos 80).
Os jovens dos anos 90 gostavam de dançar passinhos combinados. A música vigente era a Dance Music. Hoje conhecida pela alcunha depreciativa de "poperô".
Apesar disso, a juventude dos anos 90 escutava muito Legião Urbana (banda oriunda dos 80 que acabou fazendo mais sucesso nos 90) e sonhava em casar, morar junto e ser como Eduardo e Mônica.
Graças a isso os namoros duravam mais e foi inventada a "Aliança de Compromisso". Um objeto que antecipava a Aliança de Noivado que, por sua vez antecipava a Aliança de Casamento.
A juventude dos anos 90 fez faculdade de programação de dados, turismo, administração e publicidade.
Hoje eles têm filhos antes dos 30.

Nos anos 00 os jovens gostam de ecstay. O som que se escuta é uma evolução pesada e ruidosa do Dance dos anos 90 e tem várias alcunhas complexas e específicas, variando conforme a temática, o peso e o público a que o som se destina. Alguns ainda gostam de Legião Urbana mas nem sabem disso: eles escutam músicas melosas de jovens dos anos 90 que escutavam as músicas melosas da Legião Urbana.
Para os jovens dos anos 00 "ficar" voltou a ser bacana e o que antes envolvia uns beijos e amassos, hoje envolve sexo (novamente corriqueiro, naturalmente com camisinha, sem estranhamento) e muitas vezes com pessoas do mesmo sexo.
Não se pensa em casamento. Não se pensa em ter filhos.
Os amigos se fazem e se desfazem na velocidade de um clique de mouse. As bandas e músicas favoritas se fazem e desfazem na velocidade de um download em banda larga.
A moda se faz e desfaz. "Carpe Diem" é a filosofia de vida em voga.
A juventude dos anos 00 está começando a faculdade de artes-plásticas, desenho industrial, comunicação e moda.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O Babaca

As pessoas nunca terminam pela razão certa. Normalmente a razão certa é aquilo que te faz começar a querer terminar. E outra razão qualquer te faz dar o pontapé definitivo. Aliás, o pontapé, muitas vezes, nem é definitivo já que a maioria dos casais termina e volta umas três vezes antes de terminar pela última.

Eu tinha terminado pela razão mais idiota do mundo: ela tinha feito uma tatuagem e eu odiava mulheres com tatuagem. Aquilo me soava como uma pixação no corpo. Uma mácula. Parecia coisa de puta, ou de presidiário.

A razão verdadeira: eu já namorava há dois anos, havíamos morado juntos a maior parte desse tempo e eu queria minha vida de volta pra mim. Queria minha individualidade de novo. Queria ter tempo de voltar a desenhar. Queria sair de balada com meus amigos headbangers, tomar absinto e levar a mina mais baranga pra casa achando que era a mais linda de todas!
Eu queria dormir bêbado na rua, perder 500 contos num puteiro, sair da farra às oito da manhã e ir direto pro trabalho. Queria relembrar como é beijar pela primeira vez uma boca. Queria sentir a perna tremer e o medo de broxar na primeira foda.
Eu queria relembrar como é difícil bolar argumento pra fazer o approach numa guria que você nunca viu antes.
Queria chamar os amigos pra tomar cerveja, comer pizza e assistir a trilogia de Senhor dos Anéis em casa até o dia nascer...
Em suma, eu queria fazer o que todo homem faz quando não é casado, quando não tem filhos, quando é jovem, quando é besta, quando ainda ganha pouco e tem tempo livre pra fazer nada construtivo.

Ninguém poderia dizer que eu estava errado. Eu era uma criança, tinha 23 anos.

Mas no interior o casamento, as relações duradouras são sim, considerados coisas importantes, coisas essenciais na vida de um homem, mesmo que o homem em questão seja ainda um moleque.
Eu encontrei quem me dissesse que eu era um babaca por ter terminado. Encontrei quem me dissesse que eu estava errado, e acabei voltando atrás. Só que, fazendo isso, descobri que ter voltado atrás foi a maior babaquice que eu poderia ter feito na vida!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Diálogo 03

Depois de uma noite de sexo meio-embriagado, um banho juntos, um misto-quente, um café preto e um Gatorade:
Ele: "Você vai me dar seu telefone?"
Ela: "Você vai querer meu telefone?"

Lasanha

Minha colega tinha um relacionamento aberto com o namorado. Ela estava bem, satisfeita e feliz com essa forma de lidar com as coisas. Aparentemente, ele não.

Um amigo conheceu uma guria e começaram a ter um caso. Eles não estavam atrelados, só curtindo bons momentos juntos. Até que começaram a namorar.

Eu não sei porque mas as pessoas insistem em apostar num modelo de relacionamento que torna cada uma das partes, propriedade da outra. Como se um casal tivesse de se bastar, como se - sendo um casal - eles tivessem de se fechar para o mundo. Isso não funciona!
Conversando com minha namorada há uns bons meses atrás, falávamos sobre sentir atração por outras pessoas. Falávamos da fidelidade como prega a igreja e de como é impossível não olhar pra ninguém na rua. Não sentir tesão por alguém que está passando...

Eu digo mais. Muito mais. É impossível não apaixonar-se por outras pessoas. Todos os dias conhecemos gente das mais diversas estirpes, filosofias, histórias de vida diferentes. Pontos de vista novos, manias estranhas... Tudo isso é simplesmente encantador. Essa gama de pessoas tão diferentes entre si e todas as possibilidades que cada pessoa oferece, tudo isso é muito valioso pra simplesmente deixar passar. Pra fingir que não é nada, que aquele alguém interessante que você acabou de conhecer não tem valor porque você já tem um namorado ou namorada!

"O que me magoa é descobrir que eu não sou suficiente pra você!" Eu já ouvi essa frase ser proferida. E fiquei estarrecido. Imediatamente.

Você não É mesmo!! Não é e não TEM de ser! Eu sou muito mais complexo que isso! Tenho muito mais desejos que isso! Tenho mais fome! Mais ambição. Tenho muito mais paixão! NINGUÉM TEM DE SER SUFICIENTE PRA NINGUÉM! Aliás... não tem como ser.

As coisas seriam muito mais simples e mais fáceis se esse conceito cristão bobinho caísse por terra. Ninguém é dono de ninguém. E ninguém sozinho consegue satisfazer todas as necessidades afetivas de ninguém!

Pensa bem! Você conseguiria viver a vida inteira se alimentando só de lasanha? Por mais que você adore lasanha e goste desse prato mais do que gosta de qualquer outro! Por mais que você deseje poder comer lasanha por toda a sua vida... você conseguiria passar a vida toda só à base de lasanha?

A analogia é tosca, eu sei. Mas é simples o suficiente pra que todo mundo entenda.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Efémero

Quando eu era criança, bem criança e vivia num sítio, passava as tardes brincando sozinho, nadando no córrego, explorando as grutas e apagando as queimadas que os fazendeiros faziam nos sítios vizinhos, uma vez uma borboleta encanou de me seguir.
Pra onde quer que eu fosse ela vinha atrás, pousava no meu ombro, voava ao redor da minha cabeça e eu me apaixonei.

À medida em que o dia passava fui sendo tomado por um pavor terrível por saber que borboleta não serve como animal de estimação e que, quando a noite chegasse ela iria fazer o que quer que seja que as borboletas façam quando anoitece e certamente me abandonaria.
O amor tem dessas coisas. Às vezes a gente está careca de saber que aquilo não tem como dar certo, que vai acabar e vai acabar mal. A gente sabe que mais cedo ou mais tarde vai perder aquela companhia porque, afinal de contas, aquilo não é nosso, não é pra ser nosso e que vai ser abandonado, vai ficar na merda, sozinho e sem consolo. A gente sabe que vai sobrar só a saudade e finge que mais importante do que ter, é ter a lembrança de ter tido. De ter vivido aqueles momentos efémeros e ser grato pela bênção de ter podido vivenciar isso.
A gente sabe. Mas mesmo assim toca adiante. Se envolve, se deixa levar, ama, se dôa. Mesmo assim a gente investe. Aposta na causa perdida, sonha e romantiza que pode haver uma solução, um milagre qualquer que vá evitar a perda.

Quando eu me apaixonei por aquela garota que tinha uma filha eu sabia que a filha não era minha, que nunca ia ser mesmo que eu tivesse assumido pra mim a responsabilidade de ajudar a cuidar dela. Eu sabia que cedo ou tarde, por mais que eu a amasse e ela a mim, aquilo não tinha futuro. Mesmo que eu torcesse pra que o verdadeiro pai dela sumisse ou morresse ela ia continuar sendo filha dele e não minha. Mesmo que todo mundo fosse extremamente relapso com relação a ela, minha atenção e cuidado, meu zelo não faria ela me ver como um pai.

Hoje, enquanto eu organizava meus livros descobri entre as páginas uma foto que ela certamente escondeu pra que um dia eu encontrasse. É uma foto daquelas com roupinhas dos anos 20 que os fotógrafos vão vender nos jardins de infância. No verso, com canetinha azul, estava escrito naquela letrinha tosca e pueril: "Perini, eu te amo. Ass: julia"

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Diálogo 02

_Que saco! Por que será que todo cara interessante que eu conheço já tem namorada?
_Se você garantir que vai ficar comigo eu termino com a minha namorada.
_Você vai terminar com a sua namorada por minha causa? Não quero.
_Termino numa boa! Você é bem mais interessante.
_Ah é? E quando você achar alguém mais interessante que eu vai me trocar também?
_É bem provável. E o quê que tem? Qual é o problema? As pessoas insistem em querer acreditar que as coisas duram pra sempre. Nada dura pra sempre. Se a gente chegar no final e tiver colecionado boas lembranças já terá valido a pena. Só de termos nos conhecido e nos relacionado já terá valido a pena. Por que é que isso teria que durar demais? Pra que, no fim, os dois se sintam entediados? Prefiro que não. Prefiro que acabe cedo. Ou porque eu te troquei por outra, ou porque você me trocou. O que importa? Vai acabar mais cedo ou mais tarde. Então, que acabe bem. Que acabe no auge.
_Tudobem. Pode terminar com a sua namorada.

sábado, 18 de abril de 2009

Escolhas *



ELA:
Estou indo.
ELE: Sinto muito.
ELA: Isso é irrelevante. Sente muito pelo quê?
ELE: Por tudo.
ELA: Por que você não me disse antes?
ELE: Covardia. (...)

ELA: Como?... Como consegue?... Como você faz isto com alguém?
Ele tenta pensar numa desculpa.
ELA: Não é bom o suficiente.
ELE: Eu me apaixonei por ela, Alice.
ELA: Oh, é como se você não tivesse escolha? Há um momento... Há sempre um momento, em que passa pela cabeça "eu devo fazer isso?", "não posso ceder", ou "eu posso resistir" E eu não sei quando esse momento veio pra você, mas você fez a sua escolha. Estou ido.
Ele bloqueia a porta.
ELE: Não é seguro lá fora.
ELA: Ah, e é seguro aqui?
ELE: O que você vai fazer com suas coisas?
ELA: Eu não preciso dessas "coisas."
ELE: Pra onde você vai?
ELA: Sumir.

*Tradução adaptada de um trecho da peça de teatro na qual baseia-se o filme Closer.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Todo fim é um começo

Então, um dia, eu saio do banho já de pijama, com os cabelos ainda pingando e vejo um papel cor-de-rosa dobrado, escrito na frente e no verso, deixado no meu lado da cama.
Ela estava na cozinha preparando a mamadeira da filha dela.
Sentei e li só porque nós tínhamos desde o começo, o costume de deixar bilhetes de amor um pro outro.
Não era um bilhete de amor.

Ela reclamava que eu vinha sendo muito rude com sua filha, dizia que sua cabeça andava confusa e descontente com tudo, que todo o tempo que eu levava trabalhando e estudando estava fazendo com que ela se sentisse vilipendiada e mais uma porção de etceteras. Concluía pedindo que eu tivesse a bondade de ir embora. Da casa que eu tinha ajudado a escolher e reformar. De sua vida.

Não lembro o que eu falei quando ela veio pro quarto e viu que eu já tinha lido o bilhete. Não lembro o que ela respondeu. Lembro de ter jogado a aliança nela, de ter desejado que aquilo não estivesse acontecendo, de ter dado um soco na parede, explicado que o soco tinha sido na parede pra não ser em seu rosto, vestido uma calça jeans e uma camisa azul que ela odiava e de ter ido à pé até o centro, entrado num bar e tomado, sozinho, algumas cervejas enquanto pensava no que faria da minha vida dali pra frente, já que os últimos dois anos tinham sido gastos em prol daquela casa, daquela família e do bem estar daquela mulher.

Com meu futuro recém-replanejado, voltei pra casa e dormi no chão da sala com o gato. No dia seguinte voltei pra casa da minha mãe. Fiquei por lá 5 meses. O tempo necessário até conseguir outra casa pra alugar, comprar a mobília e me instalar.

Quando lembro disso sinto vergonha por ter sido tão emocional, vergonha por ter aceitado ela e a filha de volta depois de alguns meses, mas também sinto que foi nessa ocasião, enquanto eu tomava cerveja, que eu aprendi que na vida as coisas estão sempre recomeçando.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Unha Encravada

Humilhação. Vergonha. Medo. Incerteza. Indecisão.
Por algum motivo que eu ainda desconheço, não posso ver alguma coisa dando certo, fluindo bem, sem qualquer entrevero que vou lá, meto minha mão esquerda e provoco o caos.
Depois fico pelos cantos amuado que nem um adolescente idiota, sem saber o que fazer, sentindo essa ridícula auto-piedade.
Confrontar minha fraqueza é terrível. Perceber que eu sou só humano é algo que sempre me destruiu por dentro. Eu e meus sonhos de grandeza, minha megalomania, minha certeza de conhecimento absoluto dos mecanismos do mundo, do minha imensa e infalível inteligência emocional, não aguentamos esses baques. Essas confrontações de realidade nua e crua.
Sou orgulhoso, não gosto de me expor de verdade. Não meu lado feio, necrosado, dúbio e vil.
Aquilo que eu sou quando ninguém está vendo é tão negro, tão feio, tão podre que não deveria ser mostrado. É exclusividade minha.
É que nem aquela unha que encrava, inflama, cria pus, fica preta e causa ânsia de vômito nas pessoas, se você tirar o sapato em público.
Às vezes essa unha dói tanto, mas tanto que eu preciso tirar os sapatos pra dar uma aliviada. Mas depois que eu tiro e as pessoas vomitam a sujeira acaba sendo bem maior.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Punheta

"Sinceramente eu ando preferindo punheta."

Foi só quando eu disse isso que me toquei que tinha acabado.
Eu estava com uns amigos numa mesa de boteco falando sobre mulheres, sobre nossas mulheres e sobre nossos relacionamentos com elas.
Eu vinha arrastando aquela situação por muito tempo. A gente simplesmente se apega àquela condição. Se apega à relação mais até do que se apega à pessoa.
A pessoa você quer ver longe. Fica rezando pra que ela demore a voltar da visita na casa da irmã, fica torcendo pra ter trabalho que te faça ficar até depois do expediente e, se não tem, vai pra um boteco com os amigos pra dar tempo de ela dormir e você chegar sem precisar ver ninguém.
Mas por algum motivo o coração se aperta quando você pensa em deixar tudo. Em simplesmente arranjar outra casa pra alugar, pegar tuas coisas, o gato que ela te deu e se mandar. Você se acostuma a cozinhar pra alguém, a reclamar dos gastos, pedir opinião sobre qual sapato usar naquele evento, contar a última merda que um cliente te pediu pra fazer, dar um beijinho no rosto antes de sair pro trabalho... e daí você vai tocando. Vai punhetando aquela relação que já não te traz mais nada e não tem nenhuma chance de trazer.
Mesmo que nada mais te dê tesão, mesmo que não haja mais novidade e você sinta que só está engordando no sofá e esperando o tempo passar o mais depressa possível pra chegar enfim o dia glorioso da sua morte.
Quanto mais tempo passa, mais difícil fica a convivência e mais difícil fica se livrar da convivência.
Mas quando eu disse aquela frase eu vi que daquele mato não sairia mais coelho. Que a coisa mais interessante que poderia acontecer na minha vida era uma úlcera nervosa. E isso certamente traria mais gastos.

Juntei minhas coisas e vim pra São Paulo.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Le Voyeur

Ela recostou a cabeça no vidro da janela do ônibus e ficou olhando a paisagem passar. Os lábios movendo-se um pouquinho, disfarçando a música que ia sendo cantarolada.
A mão pequenininha ajeitou o fone de ouvido. Uma mãozinha ossuda, as pontas dos dedos arredondadas e rosadas. Dedos compridos. Um anelzinho dourado bem fino no dedo médio esquerdo e só.
O cabelo curtinho e repicado de um louro meio alaranjado, exótico. Rosto fino, nariz protuberante, olhos grandes.
A boca era pequena, lábios estreitos, batom claro. Óculos escuros imensos.
Pescoço comprido. Bolsa de algodão cru. Um casaco preto e uma saia bordô, pregueada que ia até os joelhos. Brancos. Joelhos bem brancos com umas veias azuladas aparecendo. Bota de couro. Cano longo. Bem longo. Sem salto.

Ela olhou na minha direção e eu disfarcei. Corri trocar a música do meu MP3.

Diálogo

Duas pessoas num barzinho.

_Quando eu te conheci te achei muito interessante. Senti tesão imediatamente.
_Mentira!
_Verdade. Voltei pra casa pensando no quanto eu queria te comer.
_"Queria"? Não quer mais?
_Depende. Seu lençol tá limpo?

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Corações partidos

Algumas mágoas jamais cicatrizam.

Eram quase crianças. Ela nunca tinha namorado de verdade com ninguém.
Eles andavam pela rua de mãos dadas e conversavam banalidades quando ela começou a sentir aquele calor lhe dominar o coração. A alegria infinita de ter alguém bacana a seu lado, de ter uma mão apertando seus dedos, de ter uma boca beijando seus lábios entre uma frase e outra, de poder rir juntos, de poder viver pequenos momentos lindos como aquele.
A felicidade era tão grande que ela sentiu vontade de dizer algo. Tinha medo, mas a vontade era maior que tudo e, justamente pra não deixar o medo sobrepujar a vontade ela disse rapidinho: "Eu amo você!"
Ele ficou silencioso de repente. Ficou sério. Ela se arrependeu imediatamente e a alegria deu lugar ao pânico.
Ele encostou os dedos nos lábios dela: "Não diga isso."


Ela tinha ficado grávida aos 15 anos. Besteira de adolescentes. Acabaram casando-se.
Assim que ele terminou a escola, conseguiu um emprego num cargo público em outra cidade.
Ela ficou ali mesmo porque era o melhor lugar pra criar o bebê. Porém, mesmo que ele aparecesse todo final de semana, a saudade que ela sentia não se dissipava. Pelo contrário. Parecia crescer mais e mais a cada sábado e domingo que não eram suficientes pra sanar a carência que sentia pelo pai de sua filha.
Um dia ela resolveu fazer uma surpresa. Comprou um corpete de renda preto com detalhes bordados, uma cinta-liga e meia calça.
À noite depois do banho, perfumou-se, passou cremes, vestiu a meia, a cinta-liga, o corpete e foi seduzir seu amor que lia uma revista qualquer na cama.
Ele olhou pra ela, abriu um sorriso e disse: "Que é isso, vai desfilar Carnaval?"


Eles estavam casados há alguns anos. Já tinham enfrentado e superado várias crises. A mais recente porém, estava difícil de superar. Numa noite, enquanto ele assistia TV no sofá da sala ela sentia seu corpo vazio de propósito, de carinho, de razão de ser. Tomou coragem, tentou esquecer todas as mágoas e aninhou-se no corpo dele, dando-lhe um beijinho no pescoço e no lóbulo da orelha.
Ele olhou pra ela e não disse nada, mas antes tivesse dito. Seu olhar tinha um asco que fê-la sentir-se o ser humano mais repugnante da face da terra. Algumas mágoas jamais cicatrizam.

quinta-feira, 26 de março de 2009

"Haja hoje pra tanto ontem."

Ao contrário do que eu pensava, existem pessoas felizes.
Conheci um cara que é baiano, trabalhou como modelo e mora com atores. Pessoas felizes que não perdem muito tempo se perguntando qual a razão a da vida do universo e tudo o mais.
Gente que sai nas festas, conhece garotas lindas e não se sentem constrangidos pela possibilidade de não serem tão atraentes quanto gostariam.
Eles acabam levando essas gurias lindas pra cama. Elas dão. Na primeira noite e durante a noite inteira. E depois nem pedem pra que você ligue no dia seguinte. Não pedem pra namorar. Não pensam em casamento.
Elas só queriam dar. Deram. Vestiram suas roupas e saíram deixando-os somente com as boas lembranças da noite anterior.

Eles não ligam se aquilo foi só por uma noite. Eles não desejam conhecer mais a fundo as garotas e saber se elas gostam do Neruda ou se emocionaram-se com Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças. Eles não querem saber e elas não querem contar.
Se as gurias eram mais que carne, se tinham ou não conteúdo isso ficou perdido no meio da noite. Dissipou-se entre gritos e suspiros de gozo e foi levado pra lavanderia junto com os lençóis. Escôou com a água e quem se importa?
Importante é que tinham belos peitos, eram cheirosas, tinham cabelos sedosos, bocas macias, e gostam de dar o que eles gostam de ter.

Meu amigo me conta as histórias das noitadas (não conta os detalhes, só as circunstâncias) e enquanto ouço, vou pensando "porque que eu não nasci tão descomplicado assim?"
Fico lembrando da minha adolescência cheia de neuras e frustrações, cheia de momentos em que eu quis algo e não busquei e penso: "A troco de quê eu sentia tanto medo?"

Não sei.
Só sei que sinto inveja (branca) dessas pessoas felizes. 
De pensar que, há 6 anos atrás eu casei só porque tinha medo de não conseguir mais ninguém e terminar a vida sozinho...

Que bobagem.