quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Outro

O outro é um outro. Não é você.
O outro não é seu irmão, pai ou mãe. Não tem seu sangue. Não tem seus olhos. O outro não tem o sorriso parecido com o seu.
O outro tem outra vida, uma passado completamente diferente, opiniões com as quais você talvez não concorde. O outro tem um repertório cultural diferente.

O outro tem outro corpo. Um corpo que não é o seu. Um corpo que lhe é estranho.
O outro tem desejos que, embora às vezes sejam equivalentes, são diferentes dos seus.
O outro tem pensamentos diferentes dos seus. Pensamentos que você desconhece e que, muito provavelmente, jamais venha a conhecer.
O outro tem outras motivações, vivencia outras sensações, pratica outras ações. Guarda outros segredos.
O outro tem outros amigos, prefere outros pratos, cultiva outros costumes, coleciona outras manias, escuta outras músicas, pondera outras filosofias, aprecia outras artes e pauta-se por outra moral. Uma infinidade de coisas que não lhe competem, ainda que você preferisse ter participação em tudo.

O outro não lhe diz respeito. Nunca teve um cordão umbilical que o ligasse a você. Nunca foi parte de você.

Mas apesar disso seu corpo deseja, anseia, precisa do corpo do outro. Sua alma crê piamente que os dois fazer parte de uma só entidade. Cada milímetro da sua pele implora pelo toque do outro. Sua essência clama a presença do outro. Seu pensamento não tem mais voz senão a voz do outro. Sem ele, você é só metade do que poderia ser. Sem ele é um imenso vazio que precisa ser preenchido. Uma equação pela metade. Uma tela em branco. A primeira página de um livro a ser escrito.
Na ausência do outro sua vontade míngua. Na ausência do outro sua alegria é rala. O mundo diante dos seus olhos não passa de um filme francês chato, em preto e branco.
O outro vem e te rouba o ar, te usurpa a autonomia, te arranca o ímpeto e a privacidade. E tudo com a sua conivência passiva.
O outro te enche de vida. Te dá inspiração, te torna verborrágico, te empolga, vicia.

E mesmo que você e o outro jamais tenham dividido a mesma placenta, por mais que não haja qualquer conexão genética, de repente é como se os dois fossem gêmeos idênticos. Irmãos siameses. De repente, é como se você e o outro fossem uma pessoa só.