segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Previsão

As pessoas, de modo geral, têm dois tipos de reação diante do medo. Uma delas é a fuga, a negação. Virar as costas, distanciar-se, fingir que não existe aquilo de que se tem medo. A outra é ir de encontro ao que causa o medo.

Quando eu tinha 19 anos acabei me envolvendo com um casal que queria me usar para reavivar a relação moribunda na qual eles tinham se afundado. A coisa toda consistia basicamente em tornar-me um terceiro elemento. Um personagem novo naquele teatro enfadonho tantas vezes representado pelos dois.
Pra mim estava tudo ok! Eu era moleque, sedento de curiosidade pela vida e louco por uma aventura, tivesse ela a natureza que fosse. Minha filosofia era (e ainda é, embora de forma bem menos inconsequente) colecionar histórias de vida.
Além disso, eu tinha em mente a perspectiva de que muito em breve minhas possibilidades de acumular esse tipo de história iria extinguir-se. Ou pelo menos restringir-se drasticamente. Eu tinha uma noiva.

Vivíamos em cidades diferentes (e distantes) e por isso tínhamos combinado manter uma relação aberta, liberal e nada careta. Mas é claro que, uma vez realizado o casamento e dissipado-se a distância física, o trato rezava que viveríamos uma relação conjugal padrão, moral, careta e burguesa como manda o figurino. E eu estava plenamente feliz, seguro e de acordo com o trato.

Porém numa noite, durante um brunch amistoso com o casal enfadado, o marido sentiu-se compelido a justificar suas inclinações fetichistas (os homens de modo geral estão sempre tentando justificar suas inclinações).
Ele explicou que depois de um tempo de vida, depois de um tempo de casado, depois de um tempo fazendo sempre aquelas mesmas coisas, acaba sendo necessário mudar o tempero da comida, acrescentar uma pimenta, um novo matiz, uma nuance qualquer. Ele explicou que, depois de um tempo, mesmo esse novo matiz se desbota e então acaba sendo necessário acrescentar-se outro. E mais outro. E mais outro até que acaba-se mudando totalmente a receita inicial e criando-se uma nova forma de ver e fazer as coisas. E acrescentou que isso acontecia com todo mundo e que acabaria certamente acontecendo comigo um dia.

Fiquei estarrecido.

Imediatamente me vi mais velho, casado com minha noiva amada e sentindo-me compelido a dividi-la com outro. Pra apimentar a relação. A idéia - embora desagradável - parecia perfeitamente passível de concretização dado o fato de que então eu já vivia um relacionamento aberto, o que - no meu entender - me deixava a um passo de estar na situação daqueles dois.
Fui tomado por um terror, por uma raiva, por um nojo absurdo que fez com que eu nunca mais procurasse aquele casal e jurasse pra mim mesmo que jamais me permitiria chegar ao nível deprimente daqueles dois.

A noiva se foi sem nunca ter se tornado esposa, morei três anos com outra guria, depois namorei mais dois com uma outra e o medo continuava ali: imortal, impávido e absoluto com só os medos podem ser.

Um dia acordei e - lavando o rosto - me dei conta de que não havia mais medo. Ele tinha se dissipado completamente em algum momento e só então eu me dava conta disso. Eu tinha parado de fugir. Tinha me cansado de correr. Tinha desistido de tentar evitar.
O medo deixou de ser o vilão e tornou-se aliado. Tinha se amalgamado ao meu espírito. Tinha mudado minha índole.
Um dia acordei e ao lavar o rosto percebi que o casal era eu. E que aquele cara (maldito!) tinha acertado na previsão.