quinta-feira, 18 de julho de 2013

1202

Eu não estou falando de amor, porque neste momento amor é a última coisa que me importa. Também não estou falando da guria que estava lá porque a guria, quem ela era, o que representava e quais características físicas tinha, são completamente irrelevantes nesse contexto.
Esta história poderia ser contada de uma dezena de formas, sob uma série de ângulos e com uma infinidade de aspectos emocionais e circunstanciais. Agora, só me interessa abordar um desses aspectos. Esta história é sobre uma foda.

Eu tinha reservado a suíte presidencial de um hotel antigo, clássico e absolutamente kitsch do centro da cidade. Era véspera de réveillon, tínhamos tido um ano intenso de todas as formas possíveis e queríamos um fim de ano que coroasse aquilo tudo.
Ela comprou uma garrafa de Jack Daniels e eu gastei uma pequena fortuna em 30 gramas da melhor cocaína que se pudesse conseguir naquela época.

Isso não é um conto de ninar, pelo contrário:

Foram dois dias sem dormir porque naquele momento não estávamos interessados em bem-estar. Foram dois dias sem comer porque nosso foco era sublimar. Foram dois dias sem colocar roupas, usufruindo do corpo um do outro, esquecendo do mundo, desconsiderando o ano porvir e todas as responsabilidades, todos os problemas, todas as consequências e toda a chatice da vida habitual.
O mundo resumia-se àquele quarto de hotel, àquele papel de parede démodé e ao nosso ímpeto de nos consumirmos mutuamente. De esquecer a passagem do tempo e de nos preenchermos um do outro. De mergulhar no corpo com a boca, os dedos, a mão e o braço, de sangrar, de chegar ao limite físico e parar, beber mais um pouco, cheirar mais um teco, discutir assuntos sem qualquer relevância prática e voltar ao corpo, à boca, aos dedos etc.
O mundo resumia-se à ânsia de comprimirem-se as peles, de queimar-se a carne (figurativamente), de gastar todas as possibilidades e chegar quase (quase) a um nirvana qualquer, a uma catarse qualquer que resumisse tudo à simplicidade dos membros, dos lábios, dos peitos. De se reduzir à animalidade, ao primitivo, à irracionalidade, à besta hedonista de cada um de nós, à uma inconsequência primordial e infantil, ao tamanho bobo e ínfimo de quem se esquece de quem é. De quem abdica de si pra ser no outro.


Essa história é sobre aquilo que nunca mais se repetiu. Porque seria impossível de se repetir. Porque o que quer que tenhamos sido ao longo daqueles dois dias, consumiu-se e feneceu na suíte 1202 daquele hotel.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A menina que nunca foi

Um pouco antes de começar a namorar a menina com quem eu estava tendo um affair, quando eu ainda nem sabia que dali há algumas semanas aquele affair viraria um namoro e o namoro viraria noivado, acabei conhecendo uma outra guria.
Morena sorridente, inteligente, miudinha, olhos e nariz grandes, do tipo que sempre (sempre!) me deixa encantado. Ela era de peixes, fazia faculdade, morava com umas amigas ali, pelas redondezas da Augusta e me achou parecido com o Chris Cornell, o que discordei veementemente mas acabou sendo o gancho da nossa conversa.
No fim da noite trocamos números de telefone e eu prometi ligar pra marcar um encontro, uma cerveja, qualquer coisa.
Mas meu telefone foi roubado pouco tempo depois e – mais um tempinho adiante, como já tinha dito – comecei a namorar.

Nunca liguei.

Tempos depois, por acaso, saindo da estação de metrô da Consolação, acabamos nos encontrando. Batemos papo rapidamente, falamos sobre o que havia de novo, contei do roubo do meu celular e ela contou da faculdade, anotei mais uma vez os números do telefone dela, nos despedimos e prometi de novo que telefonaria.
Mas eu ainda estava namorando.
Ela me ligou. Não marcamos nada. Não falamos sobre as novidades. Nada. Apenas falamos.
Meu namoro tornou-se noivado, o noivado acabou e até hoje eu lembro daquela pisciana com curiosidade, com interesse e com vontade de ter tido a chance de saber mais sobre ela, de escutar suas histórias, de experimentar sua companhia.
Até hoje me perco conjecturando o que teria acontecido se meu telefone não tivesse sido roubado, se meu namoro não tivesse vingado, se acabássemos nos encontrando outra vez, por acaso, nalguma esquina da Augusta. Se tivéssemos tido oportunidade de nos conhecermos, se eu tivesse telefonado na segunda vez, se ela não tivesse desaparecido depois daquela ligação...

De todas as meninas que conheci ao longo da vida, até hoje, ela é a mais bonita, a mais inteligente, a mais sorridente. A mais perfeita, mais isenta de deméritos, a que mais resplandece. Porque de todas as meninas que foram parte da minha vida, aquela pequenina morena pisciana acabou sendo a única menina que nunca foi.