quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Carpenters

Quando eu olhei pros seus olhos cheios de lágrimas, pensei em como seria desastroso nunca mais ter esses olhos para olhar. Eu vi sua boca recolhida pelo choro, seus ombros encolhidos em desalento e pensei no desalento que seria a minha vida se você não tivesse voltado. Eu pensei na eternidade daqueles dois minutos e meio entre o momento em que você saiu magoada batendo a porta e o momento em que voltou furiosa querendo me cobrar satisfações.

E eu queria te amarrar, te prender em mim, te atar ao meu sofá pra que você nunca pudesse ter a chance de me deixar. Eu queria suprimir completamente sua autonomia pra que você não tivesse qualquer outra escolha na vida senão me amar, independente do que acontecesse.

Eu queria ser dono dos seus dias, queria ser senhor do seu tempo, soberano do seu destino. Pra que não houvesse fato que eu não pudesse saber, intervir, interferir ou manipular.

Quando você me abraçou sedenta de cuidados, quando envolveu meu pescoço com seus braços eu pensei na solidão que seria a minha carne sem a sua. Eu pensei que a minha boca perderia todas as palavras se eu não tivesse mais os seus ouvidos. Que a minha garganta secaria se eu não tivesse mais seus beijos.

E eu quis que você não fosse tão passional quanto eu. Quis que você pudesse ser mansa. Mas lembrei que o que me fez te amar em primeiro lugar foi justamente o fato de você não conseguir ser mansa. E entendi que o nosso fogo, nossa cólera comum é nossa bênção e nossa derrocada.

Eu quis sair. Quis te levar pra algum lugar bem longe e você quis ir pra um bar. E nós bebemos e conversamos e nos beijamos e dançamos Carpenters como se eu nunca tivesse estado tão perto de nos perder.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A paixão é uma merda

Por mais que todo mundo goste, por mais que todo mundo precise e sinta falta, não há quem discorde que apaixonar-se seja uma merda.

Eu não queria estar apaixonado.
Não queria sentir falta dela como se estivesse me faltando um pedaço. Não queria essa necessidade viciosa do perfume de seus cabelos. Eu não queria essa fome da boca dela. Nunca desejei depender de suas pernas entrelaçadas nas minhas pra conseguir dormir em paz. Nunca quis precisar da voz dela pra me ajudar a pensar mais claramente.

Eu não queria me apaixonar. Não mesmo. Só queria poder usufruir tranquilamente de uma eventual companhia agradável. Sem a angústia impertinente da saudade. Sem a palpitação cardíaca que antecede cada encontro. Sem precisar arquitetar planos mirabolantes pra conciliar o tempo e viabilizar pelo menos um encontro diário em meio à todas as obrigações entediantes que a vida impõe.

Eu não queria acordar ao lado dela e perder horas vendo-a dormir. Não queria lembrar dela a cada vez que ouço aquela música. Não queria ter de arcar com o desejo quase doloroso de sua carne contra a minha. Não queria querer escrever este texto.

Eu queria paz. Queria estar acima desses sentimentos. Queria nunca me apaixonar. Porque a paixão é uma merda. Porque a gente percebe ela chegando e não faz nada pra evitar.
Porque quando sabe que vai dar merda, a gente vai até o fim.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Existe um mundo lá fora

Existe um mundo lá fora.
Uma porção de trabalho a ser feito, prazos a cumprir, compromissos a honrar.
Pela janela é possível escutar as pessoas caminhando pela rua, conversando umas com as outras, os carros buzinando, a vida seguindo seu curso.
Se o celular estivesse ligado, certamente estaria tocando. Amigos convidando pra sair, clientes pedindo atenção, questões querendo respostas.
A geladeira está cheia de comida, há algumas garrafas de Heineken no freezer, um tablete de chocolate sobre a mesa, um maço de cigarros e um isqueiro.
Na televisão certamente está passando algum filme, noticiário, programa de auditório ou o último capítulo da novela das oito.

Pouco importa.
No quarto, de pernas entrelaçadas, os rostos colados, discutindo baixinho uma porção de trivialidades é fácil esquecer que há algo mais depois daquelas portas. O edredom caído no chão, sobre o tapete ao lado da cama é um oceano imenso e impossível de ser transposto. Além das dependências do cômodo, além do conforto das cobertas, do aconchego dos corpos, não há nada que o mundo possa oferecer. Não há nada que valha a pena saber. Não há nada mais que se possa desejar. Tudo é menor. Tudo é bobo, desimportante e insípido.


Existe um mundo lá fora, mas ele foi esquecido, soterrado e diluído em meio ao perfume dos cabelos, a textura das peles, o sabor das bocas e o som das vozes.
Existe um mundo lá fora cheio de apelos, cheio de chamados, cheio de pessoas e de coisas acontecendo.

Existe um mundo lá fora. Mas o que realmente importa está exatamente aqui.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Outro

O outro é um outro. Não é você.
O outro não é seu irmão, pai ou mãe. Não tem seu sangue. Não tem seus olhos. O outro não tem o sorriso parecido com o seu.
O outro tem outra vida, uma passado completamente diferente, opiniões com as quais você talvez não concorde. O outro tem um repertório cultural diferente.

O outro tem outro corpo. Um corpo que não é o seu. Um corpo que lhe é estranho.
O outro tem desejos que, embora às vezes sejam equivalentes, são diferentes dos seus.
O outro tem pensamentos diferentes dos seus. Pensamentos que você desconhece e que, muito provavelmente, jamais venha a conhecer.
O outro tem outras motivações, vivencia outras sensações, pratica outras ações. Guarda outros segredos.
O outro tem outros amigos, prefere outros pratos, cultiva outros costumes, coleciona outras manias, escuta outras músicas, pondera outras filosofias, aprecia outras artes e pauta-se por outra moral. Uma infinidade de coisas que não lhe competem, ainda que você preferisse ter participação em tudo.

O outro não lhe diz respeito. Nunca teve um cordão umbilical que o ligasse a você. Nunca foi parte de você.

Mas apesar disso seu corpo deseja, anseia, precisa do corpo do outro. Sua alma crê piamente que os dois fazer parte de uma só entidade. Cada milímetro da sua pele implora pelo toque do outro. Sua essência clama a presença do outro. Seu pensamento não tem mais voz senão a voz do outro. Sem ele, você é só metade do que poderia ser. Sem ele é um imenso vazio que precisa ser preenchido. Uma equação pela metade. Uma tela em branco. A primeira página de um livro a ser escrito.
Na ausência do outro sua vontade míngua. Na ausência do outro sua alegria é rala. O mundo diante dos seus olhos não passa de um filme francês chato, em preto e branco.
O outro vem e te rouba o ar, te usurpa a autonomia, te arranca o ímpeto e a privacidade. E tudo com a sua conivência passiva.
O outro te enche de vida. Te dá inspiração, te torna verborrágico, te empolga, vicia.

E mesmo que você e o outro jamais tenham dividido a mesma placenta, por mais que não haja qualquer conexão genética, de repente é como se os dois fossem gêmeos idênticos. Irmãos siameses. De repente, é como se você e o outro fossem uma pessoa só.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O Casal

O casal vinha andando pela Paulista, de mãos dadas, conversando animadamente. Ele falava meneando sutilmente a cabeça, com ares professorais e ela prestava atenção verdadeira com um sorriso tênue nos lábios enquanto fitava o rosto dele com olhos de admiração.
De onde eu estava observando, não conseguia ouvir o que diziam, mas parece que ela o retrucou. Ele pareceu ter ficado surpreso e admirado com o que ouviu e parou de caminhar para abraçá-la com carinho. Durante o abraço ela repousou brevemente o rosto no ombro dele e, no desenlaçar, beijou-lhe suavemente o pescoço. Eles trocaram olhares cúmplices, e voltaram a caminhar de mãos dadas. Agora, era ela quem falava e ele prestava atenção pontuando a conversa vez ou outra com algum comentário ou resposta.
De onde eu estava observando, percebia que ali havia amor. Que havia cumplicidade, confiança mútua. Eu percebia que havia amizade, interesse franco de um pelo outro. Eu percebia que havia intimidade, que havia paixão.

Por um tempinho eu me imaginei no lugar deles. E senti inveja.
Não porque eu nunca tivesse vivido esse tipo de relação. Eu vivo. Mas porque aquele casal tinha uns 75, 80 anos de idade.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eu te odeio

Eu te odeio. Odeio cada segundo de atenção que te dispensei. Odeio cada boa lembrança nossa. Odeio ter te feito um jantar à luz de velas porque agora não posso mais fazer nenhum jantar à luz de velas sem lembrar de você.
Sem lembrar de cada pedaço meu que você roubou. Sem lembrar que eu era uma ótima companhia antes de você me macular. Sem constatar que você matou o bom homem que eu era e que eu poderia ser pras mulheres que vieram depois de você. Mas jamais serei de novo porque você levou embora o que tinha de melhor em mim.
Eu te odeio porque você era covarde. Infantil, mesquinha e egoísta. Eu te odeio porque você era amarga e desconfiada. Eu era romântico e pueril. E agora eu sou amargo e desconfiado também.
Eu te odeio porque você deliberadamente roubou minha paz de espírito, minha crença nas pessoas, minha crença na paixão e minha ilusão de almas gêmeas. Você roubou minha credulidade ingênua no amor eterno.
Eu te odeio porque eu era bobo, eu sabia que era bobo e gostava de ser bobo. Porque eu acreditava nos filmes água com açúcar e agora só bebo ironia e Jack Daniels.
Eu te odeio porque te escrevi meus melhores poemas. Te odeio porque hoje eu sou tão seco, tão pobre, tão cru e tão vazio que não consigo escrever nem um verso.
Te odeio porque você me fez amadurecer. Porque você me fez ver a bosta que é o mundo. Porque você apagou minha luz. Porque você me ensinou a ter ciúmes e agora eu vivo sempre com um pé atrás.
Eu te odeio. E não acredito na sua felicidade. Não por dor de cotovelo. Mas porque você é tão triste, tão pequena, um acidente tão pobre e tão vil do destino que a felicidade não te cabe. Não é da sua natureza.
Eu te odeio e tenho dó dos que te amam. Porque você mente pros que te amam. Compulsivamente. E porque suas mentiras me fizeram cauteloso. E eu preferiria não ser cauteloso.
Eu te odeio e torço pra que você morra lenta e dolorosamente. Porque eu morri. Morri um pedacinho por vez ao longo dos três anos que você me roubou. E quando eu me pego, num dia de ressaca como este, gastando meu ódio com a sua lembrança, me pergunto quantos anos a mais você vai me fazer perder. Quanto da minha vida será extirpada só porque naquele dia dez de dezembro eu cometi o erro crasso de te beijar.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Lixo

Todas as cartas foram pro lixo.

Aquela em que ela desenhou um Garfield segurando um coração, assinando “eu te amo” e com a data grifada pra fazer lembrar que o relacionamento aniversariava sete meses.

A outra em que ela dissertava sobre a imensa felicidade encontrada nos braços de seu amado, foi amassada sem pesar e jogada fora.

O cartãozinho de aniversário desenhado com lápis de cor e papel recortado.

O livro feito à mão com 50 folhas de papel sulfite e capa dura de papelão e E.V.A foi descartado.

O bilhetinho onde ela jurava amor eterno e o outro bilhetinho onde ela prometia amor além da vida, também foram despojados. Junto da carta em que ela suplicava um pouco mais de carinho e atenção. Em que ela pedia um colo que lhe aplacasse a tristeza e o desolamento provocados pela TPM e pelo excesso de trabalho daquele que escolhera para companheiro.

As infinitas cartas escondidas na gaveta, dentro de livros e mochilas para provocar agradáveis surpresas em seu marido, e até os corriqueiros lembretes cotidianos com declarações afetuosas.

Tudo foi posto numa sacola de supermercado e levado pra fora.

Não têm mais valor. As cartas não têm mais razão de ser. Não eram mais cartas. Eram lembranças, suvenires de um amor que se esgotou, que se sabotou, que se desfez sem deixar qualquer espólio senão aqueles textos cheios de promessas que nunca foram cumpridas, abarrotados de um amor moribundo tentando desesperadamente alcançar uma sobrevida. Cartas como prova de um afeto que se diluiu na rotina, na chatice, na traição. Suvenires de um casamento que ruiu pelo vilipêndio, pela pobreza de espírito, pela insegurança e ciúmes.

Todas as cartas foram pro lixo. Todas. Porque ocupavam espaço demais no meu apartamento. Porque ocupavam espaço demais nas minhas lembranças. Porque eu não sou mais o amado pra quem elas falavam. Porque eu não lembro mais quem as escreveu.

Porque nunca mais quero lembrar.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

E daí?

Você começa um relacionamento amoroso e sabe, de cara, que em algum momento vai acabar. Pode ser cedo, pode ser tarde, mas vai. A única coisa que resta a fazer a respeito é aproveitar cada pequeno momento como se fosse acabar daqui dois minutos e torcer pra que não acabe nunca.

Mas você sabe. No fundo você sabe que quando escutar sozinho aquela música que vocês dois escutavam juntos, isso te fará lembrar dela e fará doer.

Você sabe que, quando estiver no ônibus e passar por aquele bairro, verá pela rua os fantasmas de vocês dois andando de mãos dadas, discutindo trivialidades.

Quando a TV anunciar aquele filme que vocês viram no cinema, isso te lembrará o quanto ela gostava de pipocas.

Quando alguém passar por você na rua, exalando o perfume que ela usava, você sentirá nos lábios o gosto do pescoço dela como se a tivesse beijado segundos atrás.

Você sabe.

Mesmo que seja você quem dê cabo da relação. Mesmo que você tenha se esgotado, você sabe que, quando estiver naquele restaurante e vir no menu o prato favorito dela, sentirá saudades do som de suas risadas.

Sabe que quando vir um casal pela rua, isso te lembrará o medo que você sentia de ela um dia te deixar.

Quando alguém cometer o mesmo erro de português que ela tinha mania de cometer, você sentirá ternura e um vazio imenso (ainda que momentâneo) por nunca mais ter ouvido aquela voz de novo.

Numa manhã qualquer você vai acordar sozinho e se lembrar de quando acordava vendo o sorriso dela te dizer bom dia com a voz rouca.

Um dia você vai emprestar pra alguém o livro que ela te deu, só porque sabe que essa pessoa não é do tipo que devolve livros emprestados. Só porque olhar pra ele na estante te faz lembrar das tardes em que vocês discutiam o livro fervorosamente. As tardes em que vocês não queriam sair. Os dias em que ela andava pela casa só de calcinha. O perfume dos cabelos dela nos seus dedos. E aquele olhar meigo com a cabeça cheia de espuma de xampu.

Você começa um relacionamento amoroso já sabendo que algum dia ele vai acabar e que esse fim vai te causar muita, muita dor.

Mas, e daí?

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O que a gente quer

Só o que a gente quer é ter companhia.

Só o que a gente quer é encontrar alguém interessante. Alguém que seja capaz de nos acrescentar algo, de nos levantar a estima, fazer com que queiramos sair da cama de manhã, fazer com que nos sintamos felizes, amados, desejados e completos.

Só o que a gente quer é conversar longas horas, sobre tudo ou sobre nada e sentir que estamos em boas mãos.

Só o que a gente quer é poder confiar, é não precisar guardar segredos e ter certeza de que o outro também não guarda nenhum.

A gente quer alguém com quem dividir a vida, porque a vida é foda, a vida é pesada e é pior ainda quando a gente tenta vivê-la sozinho.

Só o que a gente quer é a chance de dizer pra alguém, olhando nos olhos "amo você", escutar "eu também te amo" e não sentir dúvidas a respeito da veracidade dessa declaração.

Só o que a gente quer é sexo bacana, desencanado e mutuamente prazeroso. Porque é um puta prazer proporcionar prazer a alguém.

A gente quer isso porque a gente precisa disso. Porque está na nossa programação, no nosso DNA. Sem isso parece que tudo fica meio opaco, parece São Paulo quando não chove, parece domingo à noite, parece DVD riscado no final do filme. Parece que não orna.


Só o que a gente quer é ter companhia. Mas a gente complica tudo, a gente sente medo demais, ciúmes demais, estresse demais. A gente sente insegurança, desconfiança, preguiça. E isso é muito frustrante porque a gente não quer sentir nada disso.

Só o que a gente quer é sentir amor.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Medo

Ela o amava. É claro que amava!

Via-se em seus olhos, via-se em seu sorriso, no modo como ela delicadamente apoiava a cabeça no peito dele quando se abraçavam.

E ele a amava também. Em igual intensidade. Poderia dizer-se que eram feitos um para o outro.

Acontece que ele tinha um passado rico de traições, de mentiras, de engodos, de mulheres sendo abandonadas e substituídas e magoadas.

E não que o passado dela fosse menos sujo, mas é que ela sentia uma imensa insegurança. Ela tinha medo que ele fizesse o que tinha feito com todas as outras antes dela. Ela tinha medo de ser trocada, de ser abandonada à própria sorte, de ter que lidar com a ausência dele, de imaginá-lo amando o corpo de outra mulher.

Ela tinha muito, muito medo.

E esse medo começou a tirar-lhe o sono. Começou a conspurcar sua sanidade.

Porque tinha medo de ser vilipendiada ela começou a vilipendiar. Por ter medo de ser traída ela começou a trair. Por medo das mentiras ela começou a mentir.

Dizia que ia pra faculdade e ia pros bares, ria, flertava. Beijava qualquer rapaz que lhe desse um aceno, um sorriso. Porque tinha medo e porque queria provar pra si que seu amado não valia tanto. Que ele poderia facilmente ser trocado e substituído por qualquer outro. Que o amor que ela sentia por ele não era nada de tão especial. Que ELE não era especial.

Muito embora seu coração, seu corpo, seu espírito só se aquietassem na presença dele. Nos braços dele. Sentindo o perfume dos cabelos dele.

E quando eles brigavam ela se perfumava, vestia-se sensual e saía. Oferecia-se pra quem a quisesse, dava-se e voltava pra casa chorando humilhada, arrependida, pedindo desculpas com a cabeça repousada no colo dele.

Ele desculpava, fazia-lhe um cafuné paternal e sussurrava que estava tudo bem. Mas não estava tudo bem. Ela achava que ele não soubesse, ela pensava que ele estivesse desculpando-a pela briga, pela discussão O perdão dele não tinha valia se não estivesse perdoando pelos motivos certos.

A ironia é que estava sim.

Mas o medo… ah, o medo.

O medo é uma ave de rapina. Sondando nas alturas, planando calmamente, projetando sua sombra só quando o ataque já é inevitável.

Com o tempo ele foi cansando-se. Foi perdendo a paciência, a paternalidade, a tolerância, a capacidade de perdoar. Ele acreditava que o tempo fosse fazê-la mais segura, que ela amadureceria, superando o medo. Mas viu que não. E o medo dela acabou por provocar justamente as catástrofes que ela temia. Acabou por arrancá-la dos braços de seu amado. Acabou fazendo com que ela fosse trocada. Substituída. Deixada pra trás.

O curioso em tudo isso é que, de todas as mulheres que ele teve, ela tinha sido a única com quem quisera passar a vida toda. Ela tinha sido justamente a mulher que ele escolhera pra não abandonar.

domingo, 15 de agosto de 2010

Não era pra acontecer

Não era pra acontecer. Tinha sido só uma fodinha bêbada sem compromisso.

Ninguém sabia nada de ninguém e, na segunda vez, foi só uma segunda vez porque rolou uma coincidência louca e um reencontro casual.

Não era pra acontecer nem as conversas madrugada adentro pelo MSN. Ele tinha namorada e ela, uma vidinha agitada e pueril demais pro gosto e pro saco dele.

Não era pra acontecer porque ela tinha muita curiosidade pela vida e ele tinha trabalhos e certezas demais.

Não era pra acontecer porque, mesmo que estivessem se vendo com muita frequência, ele vinha andando muito estranho e isso a irritava profundamente.

Não era pra acontecer porque quando eles planejavam encontros com antecedência as coisas soavam forçadas e a naturalidade ia pro saco.

Não era pra acontecer porque, agora que estava solteiro ele não queria mais se ver atado a ninguém.

Não era pra acontecer porque ela estava noutra vibe.

Não era pra acontecer porque ele achava que ela fosse orgulhosa demais pra permitir que acontecesse.

Não era pra acontecer porque ele era um sentimental.

E mesmo quando ela desligou o orgulho e se declarou viciada por ele, mesmo quando ele a convenceu a tomar um taxi e correr pra sua casa às duas da madrugada e isso provocou uma briga homérica entre ela e seu pai, não era pra acontecer simplesmente porque não era pra acontecer.

Não era pra acontecer quando ele começou a se deixar influenciar por ela.

Não era pra acontecer quando ela começou a se deixar influenciar por ele.

Não era pra acontecer quando eles começaram a sair cada vez mais amiúde, nem quando ela começou a passar cada vez mais tempo na casa dele.

Não era pra acontecer quando eles foram juntos prum restaurante, pela primeira vez.

Não era pra acontecer quando, pela primeira vez eles pegaram um taxi juntos, sem estarem bêbados.

Não era pra acontecer quando ele cozinhou pra ela.

Nem quando eles derrubaram vinho no chão.

Não era pra acontecer quando eles passaram o dia filosofando arte. Nem quando o chuveiro pegou fogo e atrapalhou a transa.

Não era pra acontecer quando ele deixou de ser besta e confessou estar completamente entregue e absolutamente apaixonado.

Não era pra acontecer quando ela sorriu aquele sorrisão imenso e lindo e disse que estava também.

Definitivamente não era pra acontecer. Nada disso era pra acontecer.

Mas aconteceu.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Tudo meu é muito

Quando eu amo, eu amo. Não existe meio-termo, não há como dissimular, não me cabe no peito.

Quando eu odeio, quando eu invejo, eu desejo a morte, eu rogo um câncer, eu quero estar perto pra ver o momento da queda. E rir. E cuspir na cara antes de virar as costas e ir embora.

Quando eu desejo eu quero, com tudo que há de força, de energia em mim. Anseio consumir, gastar, esgotar até a última gota, até não haver migalhas, até não sobrar pedra sobre pedra. Eu desejo e, se não tiver, adoeço.

Quando eu sinto ciúmes eu sou engolido, fico apaixonado, xingo, tenho ganas de meter as unhas na cara do objeto dos ciúmes. Quero cortar-lhe as pernas, trancar-lhe no quarto, acorrentado na cama pra que nunca mais saia e nunca mais me provoque essa cólera.

Quando eu me desapego é o limbo. É o nada. Uma pedra de gelo. Não me comovo, não me enfureço, não tenho piedade nem desejo o mal. Eu esqueço.
Tudo meu é muito. Tudo é de uma hora pra outra e tudo é definitivo. E isso é uma merda.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ridículos

Nós somos ridículos.
A gente sai à noite, vestidos de couro, botando banca de rockers, os queixos empinados e o peito estufado. Enchemos a cara de bourbon e entupimos os narizes como se não houvesse amanhã.
A gente ri, dança, beija. A gente come um monte de gente e dá pra um monte de gente pra provar pro mundo e pra nós mesmos que somos donos de nossas vontades, que estamos acima do ordinário, que somos niilistas, que somos hedonistas e nada nos afeta. Mas é mentira.
Nós não passamos de um bando de otários, pulando de noite em noite, vivendo um pouquinho todo final de semana, tentando sublimar alguma coisa, preencher algum espaço vazio, tateando por alguma resposta, mendigando algum amor.
Nós somos crianças perdidas na calada da Augusta, chapando os sentidos pra esquecer que somos medrosos, que somos covardes e sós.
Nós nos achamos modernos, acima das convenções. Mas fomos todos batizados com a água benta da Santa Igreja Católica e todos acreditamos no amor.
Naquele amor que redime, que completa, que preenche, que perdura. No amor que supera. Só o que falta é coragem.
A gente acha que é coisa de macho chamar de piegas o que é romântico. Mas quando chega em casa, dorme logo pra não dar tempo de pensar que aquela garota que pegamos na balada poderia ser a resposta aos anseios que vêm importunar a alma durante a semana. Aquele sentimento incômodo de estar sobrando no mundo. Aquela conclusão dolorosa de que falta um pedaço qualquer no peito. De que falta um graal.
Então vem o final de semana seguinte e tudo se repete. Porque é mais fácil tomar cinco doses de Jack do que dizer “eu te amo”. Por que é mais simples dissimular impessoalidade do que entregar-se e arriscar quebrar a cara. Porque dá mais status levar três garotas pra cama numa semana do que confessar amor a uma só. Porque dói menos estar na cama de um desconhecido do que nos braços de um amado. Porque é mais bacana parecer cool do que ser franco.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Amor é uma Escola de Canalhas

Os relacionamentos humanos são, pela própria natureza, complicados.
As pessoas são diferentes, umas das outras e cada pessoa tem um conjunto próprio e muito específico de características. Igual a uma impressão digital, que nunca é igual à outra. À primeira vista elas podem até ser semelhantes, podem parecer idênticas mas, olhando os detalhes, são totalmente díspares. Isso é a mágica e a maldição de tudo.

Minha vida sempre foi pautada, sempre foi majoritariamente dirigida e baseada nos relacionamentos que tive. Todos eles. Os relacionamentos de amizade, os relacionamentos sexuais e, principalmente, os relacionamentos amorosos. As amantes que tive, as mulheres que amei, os casos que vivi. Tudo isso sempre foi a espinha dorsal da minha vida. O esboço a partir do qual eu compunha o resto da minha história.
Daí a necessidade quase fisiológica que senti de falar a respeito, de discutir o assunto. De desvendar o mistério.
Essa premissa não é só minha. Claro. Quase todas as músicas, a maioria dos filmes, das peças de teatro, dos livros mais vendidos tratam do mesmíssimo assunto.

Mas pra mim tudo sempre foi um pouco mais complicado.

Não sei até que ponto é pretensioso e arrogante dizer o que vou dizer mas, sempre senti que eu via as coisas de forma um pouco diferente das outras pessoas. Embora meu objetivo fosse o mesmo de todo mundo (amar e ser amado), a lógica do meu ponto de vista sobre "qual é o mecanismo do amor", sobre como as relações se dão e se constroem, sempre passou a uns metros de distância do ponto de vista de todo o resto das pessoas com quem eu conversava a respeito. Se meus amigos e companheiros(as) de boteco pensavam da forma "A", eu pensava da forma "B". E perceber isso me deixou ainda mais intrigado. E um pouco irritado comigo mesmo.
Eu pensava "Se todo mundo tem esse ponto de vista e age sempre dessa forma, por que logo eu, vejo as coisas com uma cara tão diferente?"

Eu estudei, analisei, conjecturei sobre praticamente tudo o que diz respeito às relações amarosas das pessoas e entedi (deixando a falsa modéstia de lado) muito bem como é que as pessoas se dão, o que é que as pessoas pensam e qual o mecanismo que as faz reagir como elas normalmente reagem. Há sim, um padrão de relacionamento humano.

Não faço parte desse padrão. Azar o meu. Seria tudo muito mais fácil pra mim se eu fizesse. Principalmente considerando a importância que sempre dei ao tema.

Eu tentei me enquadrar e meu casamento foi a tentativa mais significativa que fiz nesse sentido. Por um tempo eu me enquadrei, por tempo eu fui o que se espera de um namorado, de um marido e até de um pai. Por um tempo.
Depois desse tempo aquilo tudo começou a me sufocar de tal forma que tive de cair fora e fugir pra bem longe. Então vim pra São Paulo, zerei minha vida e comecei de novo. Tudo de novo. Resolvi tentar outros métodos pra me fazer inserir na convencionalidade. Não deu certo também, é claro.
Deu errado e deu muito errado! Deu errado ao ponto de eu me ver atolado num mar de lama, num poço gigantesco de areia movediça que uma médica diagnosticou como depressão.

............................


Eu emergi. Ao voltar à tona (e muito embora eu ainda não tenha saído completamente daquele estado, agora já consigo pelo menos respirar) percebi que eu vinha comentendo sempre o mesmo erro.
As relações já são complicadas por si só e não facilitava eu tentar simular que acreditava no que acredita o resto do mundo. Não facilitava eu emular os comportamentos padrões dos meus amigos e colegas. Não facilitava eu tentar me enquadrar. Isso tudo só deixava o processo ainda mais penoso, ainda mais complexo e diminuía significativamente as chances de eu conseguir obter qualquer satisfação emocional.
Ao voltar da depressão eu me toquei que realmente penso e enxergo tudo muito diferente da maioria das pessoas mas, principalmente, percebi que depois da depressão enxergo tudo muito diferente do modo como eu mesmo enxergava antes.

E se antes eu procurava me encaixar, agora eu procuro quem saiba e possa se encaixar a mim.
Não sei se esse alguém existe, mas isso certamente vai render novas e boas histórias.
Mas mais importante que isso é que eu resolvi parar de procurar.

Eu simplesmente não me importo mais em encontrar um amor. Simplesmente não quero mais encontrar. Os relacionamentos amorosos continuam centrais na minha vida mas deixaram de ter tanto peso, tanto significado, tanta novela.

Por causa dessa, digamos "mudança de direcionamento" o Escola de Canalhas deixou de fazer sentido.
Não tem mais razão de existir. Enfim.

Não quero mais escrever pro Escola. Não sinto mais desejo de abordar esses assuntos, muito menos sob esse enfoque. Provavelmente eu poste algum novo texto aqui, num momento ou noutro, mas vai ser raro.
O certo é que eu abra outro blog. Pra falar de outras coisas. Disso e de outras coisas.
Em todo caso, quero agradecer a todos que acompanharam o Escola. Quero agradecer aos comentários e quero crer que meu textos tenham lhes inspirado a pensar, a questionar ou a mudar os rumos de suas próprias relações em algum momento de suas vidas.
Isso tudo terá sido muito em vão se eu não consegui influenciá-los ou comovê-los de alguma forma. Como artista, guardo a idéia romântica de extrair satisfação por conseguir atingir os corações e mentes das pessoas...
Mais uma vez: é pretencioso? Sim, talvez seja. Mas é o modo como eu vejo a vida e resolvi que nunca mais vou abdicar do meu modo de ver a vida só pra não soar arrogante, pra não parecer babaca ou pra tentar ser igual às outras pessoas.

O que sei é que vocês me influenciaram. Conheci muita gente interessante atraves do Escola e me confrontei com opiniões que expandiram meu ponto de vista sobre muitas coisas.
Obrigado por isso também.

P.S.
Pouco antes de postar, li isso e achei que tinha a ver com o que eu queria dizer.

domingo, 30 de maio de 2010

Minha vida

Então eu vi uma foto dela e, por um instante senti o cheiro de seus cabelos molhados.
Por um instante foi como se eu estivesse lá, sentado na varanda esperando ela vir do banho e me envolver com seus bracinhos magros, me beijar com seus lábios cálidos e falar do dia com sua inocência boba.

Por um instante, eu ouvi sua vozinha fina e mansa, seu modo compassado e lento de pronunciar as sílabas e colocar todos os "S" nos plurais.
Numa fração de segundo eu me lembrei do calor de seu pescoço. De suas mãozinhas miúdas dentro das minhas. Do brilho de seus olhos enquanto me contava cada cena de "Antes do Amanhecer".

E eu nunca assisti esse filme porque sempre preferi ficar com a versão dela.

Mas num instante. Aquele instante. No instante em que olhei praquela foto, ouvi de novo sua súplica chorosa, insistindo pra que - já que eu não queria abandonar minha noiva - pelo menos não usasse a aliança em sua presença.
E eu lembrei que, pra acalmar os ciúmes que ela sentia, propus um pacto de sangue. E fizemos um pacto de sangue sob as árvores do mesmo horto onde trocamos os primeiros beijos.

E eu lembrei que guardei aquela agulha. Guardei pra nunca esquecer que, fosse eu noivo, amante ou marido de quem fosse, a única que tinha meu sangue nas veias era ela.

Acontece que eu esqueci. E no instante em que olhei a foto, no instante em que vi suas feições pueris e seu perfil simétrico, minha vida retrocedeu a sete anos atrás. Eu lembrei que qualquer uma poderia ter meu corpo, meu coração, minha atenção e meu amor mais sincero. Mas só a Gisele tinha minha vida.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Blower's Daughter

Então é isso.
De uma hora pra outra disse-se "adeus". Viradas as costas, nada mais resta.
Os dois se olham nos olhos, constrangidos, ensaia-se um beijo no rosto, amigos agora. Amigos.
Todas as noites tórridas de amor, todos os carinhos na barriga, todos os sussurros ao pé do ouvido, os jantares, as risadas, as mãos dadas suando, o gosto do perfume dela na nuca, o cheiro dos cabelos, aquela calcinha que você adorava que ela usasse. Tudo agora fica relegado ao campo das lembranças.
A partir de agora você vai seguir o seu caminho e ela vai tentar seguir o dela sem você.
A partir de agora são apertos de mãos ou beijos no rosto meio sem jeito, meio duros, meio sem graça. Amigos, então.

Ela certamente encontrará outro alguém, você certamente encontrará outro alguém antes dela e os quatro eventualmente se encontrarão sem querer no saguão do Belas Artes. Haverão sorrisos amarelos, você procurará defeitos físicos execráveis nele e ela vai reparar no modo como você e sua nova namorada dão-se as mãos.
A partir de agora só amigos e com o tempo as lembranças daquela viagem vão se esmaecer. Aquela conversa louca que vocês tiveram de madrugada enquanto fumavam um beque, vai perder o brilho. O sabor único daquela pizza que vocês comiam juntos será substituído por outra coisa qualquer.
A partir de agora ela será mais um nome da sua lista de contatos, mais uma história pra você contar no blog, mais um fracasso pra você relatar pro analista.

A partir de agora ela será mais um remorso.

sábado, 24 de abril de 2010

Diálogo 7

De manhã, enquanto eu acariciava um ponto específico das coxas dela:
_Cê tá brincando com as minhas estrias?
_Tou.
_Por que você não brinca com as minhas varizes?
_Porque as varizes são pequenas.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Três segundos

Como foi que a gente se perdeu? Em qual parte do caminho nos esquecemos da magia, do medo, da ansiedade, do frio na barriga e do arrepio na nuca?
Em que parte do subconsciente foi parar a excitação do toque da pele? O medo de a outra pessoa não gostar, o desejo de que você goste?
Em qual parte dessa trajetória maluca nós deixamos de dar importância ao beijo?

Eu lembro que, quando era mais novo, adorava conhecer uma guria e sentir vontade de beijá-la. Adorava ir xavecando, tentando guiar a situação pra que ela acabasse naquele pequeno e inesquecível momento em que os rostos se aproximam lenta e temerosamente. Quando, vacilante, você aproxima seu rosto do rosto da outra pessoa. Quando você está tão próximo que quase pode sentir o calor da pele dela, a respiração apreensiva. Eu adorava aqueles três segundos antes das bocas se darem.
Sentir a textura dos lábios secos de ansiedade e excitação, a maciez das línguas se encontrado, o afago cândido e úmido. Os braços envolvendo languidamente seu pescoço, aquele instante em que a outra pessoa cola o corpo ao seu e você finalmente tem a certeza de que ela está entregue. De que está nos seus braços.

Eu lembro que adorava observar, no fim do primeiro beijo, os lábios semi-abertos dela. Ainda com a sensação dos meus lábios ecoando. Dos olhos se encontrando cúmplices. Das expressões de leve embaraço. Dos sorrisos sensuais. Do segundo beijo, ainda mais entregue e longo.

Eu lembro disso e penso, aonde foi parar? Por que é que tudo ficou tão banal? Tão raso?
Não é raso! Pelo menos não era pra ser!

sexta-feira, 19 de março de 2010

Frases

"Oh, eu não quero me envolver!" "Não tou pronta pra esse tipo de relacionamento." "Não aguento mais." "Não suporto a idéia de não ser suficiente pra você!" "Eu queria que você fosse diferente." "Eu não queria que você mudasse..." "Eu só queria uma companhia." "Sou feio demais pra ela." "Eu mereço mais do que isso!" "Simplesmente não consigo puxar assunto!" "Ele não valia o esforço mesmo." "Melhor assim, pelo menos você não saiu machucada." "Eu queria, mas não consigo." "Não posso." "Isso que a gente fez é errado." "Tenho medo de me entregar e sair machucada." "Não vou deixar você me ferir de novo!!" "E o meu orgulho, como fica?" "Sei lá." "Se eu não fosse gordo ela olharia pra mim!" "Estou muito velho pra isso!" "Porque ela foi fazer aquilo, cara?" "É uma situação muito humilhante" "Eu até tentei me declarar..." "Ele não é meu tipo." "Ela não sabe o que tá perdendo." "Gosto de você, mas como amigo." "Às vezes tenho vontade de mandar o mundo todo à puta que o pariu!!"

Todo mundo quer dar carinho. E todo mundo quer receber. Mas ficam cheios de dedos, de medos, cheios de escrúpulos, resguardos. Cheios de sistemas e protocolos.

quarta-feira, 17 de março de 2010

A grande arte

Eu estou sempre sentindo ansiedade. Impaciência. Estou sempre inconformado, sedento, ansioso, sempre sentindo que alguma coisa falta, que alguma coisa poderia ser diferente, que poderia ser mais profundo, mais intenso, mais impetuoso.

Eu sou um artista.
O modo como eu vejo as coisas não é bidimensional, não é superficial. Nunca é simples.
Eu não aceito. Não desejo que as coisas continuem sempre as mesmas e o conforto morno da rotina, da previsibilidade, das idéias vigentes, do ordinário, do comum me incomodam e entristecem.

Eu quero o novo e quero agora. Quero perscrutar o inexplorado, o desconhecido. Quero revelar o mistério. Ou pelo menos provar pra todo mundo que o normal não é a única escolha.

Quero testar os limites, corromper as regras, burlar as leis e experimentar o veneno. O que não mata, fortalece.
E se matar, pelo menos eu morri lutando.

E quando eu morrer, quero estar cheio de culpa. Quero estar repleto de arrependimentos e quero ter uma lista imensa de erros. Porque viver é errar. E os equívocos nunca vêm sozinhos. Vêm sempre (SEMPRE!) de braços dados com o conhecimento, com a maturidade, com um entendimento mais amplo e mais profundo. Do que quer que seja.
Mas só quero arrependimentos pelo que foi feito.
Pior que a morte é morrer com o arrependimento de deixado algo pra trás. De ter abdicado de alguma coisa que se queria, de ter suprimido um desejo, de ter abafado o grito do anseio.

É preciso lembrar que cada dia pode ser o último. É preciso entender que só se entra uma vez no mesmo rio, que cada dia é um novo dia e que o tempo é um bem intransferível e irrecuperável.
Então, eu quero ser um colecionador de dias. Ser um vampiro do tempo, sugando dele todos os litros de êxtase e cada milímetro cúbico de vida, cada gota de oportunidade.

Eu quero tudo. Quero a excitação da felicidade besta, a comiseração da tristeza, quero a febre da luxúria, o cancro do egoísmo, a candura do amor, a cama de pregos do ódio, a maciez terna do orgulho e o chão gelado da vergonha. Quero sentir. Seja lá o que for.

Já que me colocaram aqui - sem perguntar se eu queria - quero fazer parte da brincadeira. Quero me queimar no fogo. Quero um olho roxo, um braço quebrado, um cafuné e um beijo na boca.

E mais do que isso: quero não esquecer do que quero. E pra isso servem todos os 17 de março.
Servem pra lembrar do dia em que nasci. Servem pra lembrar que quando eu era criança, meu pai me disse que no mesmo dia nascemos eu e a minha morte.
E quando eu for me entregar pra ela, vou fazê-lo sorrindo e de braços abertos, porque antes fui amante da vida!

segunda-feira, 15 de março de 2010

Tudo o que é seu

Aquelas brigas que os casais têm. Elas começam como uma discussão boba, normalmente por um motivo mais bobo ainda e as reclamações tornam-se acusações e as acusações confluem em humilhações verbais e, de repente, ninguém mais lembra que aquilo começou por causa de um sapato deixado na sala ou uma toalha molhada em cima da cama. Mas todo mundo termina irremediavelmente ferido.

Foi assim que começou a discussão deles. Durou cerca de uma hora e acabou virando briga.
Nessas alturas a guria já se sentia tão oprimida, tão lesada, seu coração estava tão sufocado e seus sentimentos tão confusos e machucados que ela não aguentou mais aquilo e simplesmente gritou:
"_Pega tudo o que é seu e vai embora!!"

Ele repetiu a frase dela, gritando mais alto, e confirmou se era isso mesmo que ela queria. Enquanto ele falava, as veias em seu pescoço pareciam prestes a explodir e o suor escorria de sua testa.
Ela disse que sim, que era exatamente o que queria e, sem titubear, ele foi até o guarda-roupa, abriu uma mala sobre a cama e começou a jogar tudo lá dentro. Sem dobrar. Sem pensar.
Ela escorou-se no beiral da porta e restringiu-se a assistir a cena com a mão na boca tentando abafar os soluços de choro que insistiam em vir à tona só pra fazê-la sentir-se ainda mais humilhada e frágil.

Quando a mala já estava quase cheia com todas as camisetas, calças, bermudas e o creme de barbear, ele foi em direção à porta, agarrou o braço da guria e puxou-a num solavanco até a cama.
Ainda com a veia do pescoço saltando, ainda com a testa encharcada de suor ele gritou:
"_Você disse pra eu pegar tudo o que é meu e ir embora! Pois então entra agora nessa mala!"

domingo, 14 de março de 2010

Quando alguém te diz "não".

Quando alguém te diz "não" é como se soprasse um vento e levasse embora seu bilhete premiado da Loteria.
Quando alguém te diz "não" é como se sua mãe te contasse que você é feio.
É como se seu chefe recusasse a melhor idéia que você já teve pro design daquela peça.

Quando alguém te diz "não", mesmo que muitas outras pessoas no mundo já tenham te dito "sim" é como se Deus te expulsasse do Éden.
É como aquela cena de "O Templo da Perdição" em que o sacerdote do mal arranca o coração do cara com as mãos, enquanto o cara ainda está vivo.
É como voltar na sorveteria da sua infância e pedir aquele sabor que era o seu favorito, só pra ter um gostinho do passado, só pra estimular aquela linda memória afetiva, e de repente perceber que o sorvete era a coisa mais sem graça do mundo.
Quando alguém te diz "não" parece que todo mundo na rua está te apontando um dedo acusativo.

Parece que apertaram a sua garganta até você quase sufocar e afrouxaram segundos antes do fim.
Parece quando te dão um soco no estômago e falta o ar mas a dor é tão grande que você não consegue respirar de novo.
Parece quando você é criança e diz alto uma besteira qualquer na sala de aula, só pra chamar a atenção e ninguém ri. Pelo contrário. Todo mundo vira a cara pensando "que ridículo".
Quando alguém te diz "não" parece que nem seu filme favorito, nem aquela música que sempre te deixa pra cima são capazes de te desviar o pensamento daquele "não".

Parece aquela cena, em que o mocinho descobre que perdeu a melhor chance de sua vida e volta correndo, pára na janela da menina, se humilha e profere todas aquelas frases incríveis, sentimentais e cafonas.
Só que, no fim, em vez de sorrir, ela simplesmente olha pra ele e diz "não".
A tela fica preta e sobem os créditos. Sem nem uma canção inglesa pra acalentar.


ATUALIZAÇÃO-----------------------------

Minutos depois de postar este texto, cliquei neste link do Blog "Bebendo".

sexta-feira, 12 de março de 2010

Se for pra ter cachorro eu prefiro gato

Os gatos não interferem, os gatos não se metem, os gatos não te pedem interação. Basta que você lhes dê atenção de vez em quando, que você mantenha cheio o pote de ração, troque a areia da caixa e deixe à disposição uma bola de meia que eles saberão que são amados. Saberão que existe alguém cuidando deles.
Você não precisa levar seu gato pra passear, não precisa brincar, não precisa dar banho, falar com eles como se fossem bebês.

Você tão pouco precisa falar com eles!

Eventualmente eles quererão sair por conta própria, eventualmente eles encontrarão outras casas que lhes ofereça ração, eventualmente conhecerão umas gatinhas pelos telhados da cidade e, ao amanhecer estarão de volta em casa, a tempo de apreciar a ração fresquinha que você disponibilizou pouco antes de preparar seu café.

Ele chega, você já se vestiu, os dois se cruzam pela cozinha, se olham cúmplices e ele corre pro pote de ração. Você sai pro trabalho e quando volta o gato está lá, lindamente deitado no sofá, de banho já tomado e te esperando pra um breve afago no pescoço.
Depois do afago ele se empanturra de mais um pouco de ração, se esfrega na sua perna dizendo "Até amanhã!" e vai de novo pros telhados.

Eu já fui noivo, já fui casado e já tive cachorro. Mas prefiro os gatos.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Quando você estava dormindo

Eram quase três da manhã, eu tinha ficado no computador trabalhando num freela até o limite das minhas forças e ela já estava dormindo há umas boas horas.
Sentei na beirada da cama com cuidado pra não acordá-la e fiquei namorando seu rosto sereno, pacífico, incólume e alvo, repousado ali no seu travesseiro favorito.
Os cabelos finos e dourados espalhados sobre seu rosto, sua boca entreaberta e a respiração cândida, suave.
Lembrei das últimas discussões, dos absurdos que tínhamos falado um pro outro, das ofensas trocadas, das farpas atiradas, das verdades incovenientes.
Lembrei do "Sábado Dourado", da ocasião em que eu quis ir embora e ela não deixou, da noite em que ela me expulsou de casa, da noite em que a aceitei de volta - dessa vez - na minha casa. Lembrei da última noite em que havíamos feito amor.

Acariciei sua nuca suavemente pensando nas nossas discussões sobre dinheiro, de quando ela reclamou minha ausência dizendo que eu vinha trabalhando demais, de quando ela reclamou que eu vinha bebendo demais, de quando ela confessou pra irmã mais velha que não aguentava mais tanta bebedeira.
Pensei na noite em que enchi a cara de whisky e fui escondido pro puteiro, de quando ela foi escondido pro show do Pearl-Jam em São Paulo dizendo que ia visitar nossa amiga, lembrei de quando ela fez aquela tatuagem que eu tinha proibido que ela fizesse.

Então me curvei, beijei-lhe o pescoço perfumoso, brinquei com o lóbulo de sua orelha, acariciei seu queixo e lhe sussurrei ao pé do ouvido: "Eu te amo. Quando você está dormindo."

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O Tédio

E chega um momento em que a mania dela de falar alto deixa de ser uma idiossincrasia charmosa.
As preferências musicais irritam. A mania de jogar a perna em cima do seu corpo quando dorme te tira o sono. Os cuidados que ela dispensa quando você está gripado te fazem sentir-se oprimido. Os lugares que ela prefere frequentar te entendiam e o tempero que ela usa no arroz te faz perder a fome.
Chega um dia e de repente você não gosta mais daquela pintinha do lado do lábio inferior. O perfume dela não te excita mais. A mão dela, suando agarrada à sua, incomoda. O cabelo dela parece demodé.

Chega uma hora em acaba a novidade. Acaba o fulgor. Cessa a paixão.
De repente a intimidade fica chata e te constrange ter alguém que saiba tanto a seu respeito.
De repente ficar até mais tarde no trabalho torna-se um passa-tempo. De repente o espaço parece sufocante.

Chega um momento em que tudo acaba.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Amor, um prato chique

Mesmo o velho mais vivido, mesmo o mais experiente, mesmo a pessoa mais desencanada, mais hedonista, mesmo o cara mais individualista, ninguém escapa.
Por mais que a pessoa se sinta bem resolvida, por mais que tenha a certeza do auto-conhecimento, por mais que haja confiança no próprio taco, todo mundo vira criança, todo mundo se comporta como adolescente quando o que está em jogo é o amor.

O amor te faz sentir-se mais vivo, traz o cheiro da novidade, a excitação das novas sensações mas também te arranca a paz, o apetite e te deixa vulnerável.

Eu sempre fui bastante racional, bastante razoável na medida do possível. Mas sempre acreditei que, quando se trata das coisas do coração, ninguém é culpado de nada, ninguém é responsável.
No meu ponto de vista, quando o amor chega (ou qualquer uma de suas variáveis, como a paixão, o amor platônico e a amizade colorida) a pessoa tem o direito de abdicar da culpa. De escolher se jogar e de aceitar arcar com as consequências. Amor rima com uma porção de coisas. Muitas delas não são exatamente agradáveis, mas faz parte do pacote, amor nunca vem sozinho.
Vem acompanhado pelo medo, vem acompanhado pela excitação, vem com os ciúmes, vem com o ímpeto, com a empáfia, com a inveja, com a luxúria, com o torpor, com a cegueira, com a paixão. Vem com notícias ruins.

A questão é que é demais pra um coração só. Romanticamente as pessoas desejam, esperam e até sonham com tudo isso. Na prática isso assusta. Afasta.

Nunca conheci quem soubesse lidar com o amor tendo em mente a entrega e descomplicação que a situação pede e merece.
Há um trecho no livro "A insustantável leveza do ser" que trata disso e fala a respeito de uma forma genial.
Diz que, pela natureza única de cada relação, é impossível saber de ante-mão como lidar com ela. Que cada relação é única, é a primeira e a última e por isso não dá pra ter uma experiência prévia na qual se basear pra buscar ter sucesso.

A questão é: pra quê lidar com isso? O amor é uma experiência pra se entregar. Pra se jogar de olhos fechados e esperar o impacto. Não é pra ser previsto. Não é pra buscar sucesso. Não é pra buscar auto-satisfação, completude, saciedade, companhia, nada!
O amor é só pra ser. É como um jantar chique e caro que vem lindamente montado num prato bonito. Você pega aqueles talheres de prata e destrói aquela obra de arte apetitosa. O amor, como a culinária, é uma arte que só pode ser apreciada com a destruição total daquilo que se aprecia.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Samba do Grande Amor

Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim
O grande amor
Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador
Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão
Pro grande amor
Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador
Hoje eu tenho apenas
Uma pedra no meu peito
Exijo respeito
Não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira
Fui muito fiel
Comprei anel
Botei no papel
O grande amor
Mentira
Reservei hotel
Sarapatel
E lua de mel
Em Salvador
Fui rezar na Sé
Pra São José
Que eu levava fé
No grande amor
Mentira
Fiz promessa até
Pra Oxumaré
De subir a pé o Redentor
Hoje eu tenho apenas
Uma pedra no meu peito
Exijo respeito
Não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

Composição: Chico Buarque de Hollanda

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Noites como esta

Em noites como esta eu me lembro dela.
Seu sorriso era um feixe radiante de luz. Sua voz era doce, frágil e dengosa, me pedindo um abraço, implorando o cafuné que eu lhe dava displicentemente.
Mesmo nos dias mais quentes do cerrado ela estava sempre fresca, sempre rescendendo a banho. A pele branca, frágil, leve.
Eu lhe contava do meu dia, reclamava dos problemas, descrevia minhas idéias mirabolantes, narrava as peripécias que tinha com minha namorada e ela me ouvia sorrindo, me olhando com os mesmos olhos de ternura que dispensava à sua gata cinza, de quem eu tinha um ciúme mortal.
Eu falava e ela me olhava, deitada a meu lado, com a cabeça apoiada nas mãos deixando eu brincar com seus seios.
Quando ela discordava, ariana que era, não mudava de opinião. Pedia que eu desistisse, dizia que eu nunca a convenceria.
Ela adorava filmes de kung-fu e detestava ficção científica.
Ela era duas semanas mais nova que eu e acreditávamos ser almas-gêmeas.
Compramos em sociedade nossos primeiros livros e sonhávamos com a biblioteca imensa que teríamos em casa.
Ela me dava presentes que eu odiava e eu lhe fazia macarronadas.
Eu espantava seus namorados e ela não tentava me impedir.
Nós assistíamos cinco filmes todos os sábados e no víamos todos os dias, nem que fosse por cinco minutos. Nunca faltava assunto.
De noite eu voltava pra casa e me deitava pra dormir imaginando-a do meu lado.

Nunca aconteceu.
A vida nos afastou. Eu nos afastei. Ela me afastou.
Mas em noites como esta, quando eu deito, imagino a carícia doce da melhor amiga que já tive. E me sinto grato por tê-la tido durante aqueles cincos anos da minha adolescência.

Só em noites como esta.

sábado, 30 de janeiro de 2010

O Beijo

Ele estava ali, dançando entretido, quando percebeu que a guria olhava em sua direção.
Ninguém costumava flertar com ele, então virou-se, deu de ombros (provavelmente ela estava olhando pra outra pessoa) e continuou dançando timidamente, o copo de plástico com cerveja quente na mão.
Mas a menina não lhe saiu mais da cabeça. Um tempo depois, deu uma olhada, assim, meio de rabo de olho, tentando não ser percebido e constatou que a guria ainda olhava pra ele. Deu uma conferida à sua volta, procurando outros caras pra quem ela pudesse estar olhando, mas só havia um casal de gays beijando-se encostados na parede, um grupo de meninas dançando numa rodinha e uns cabeludos bem esquisitos batendo cabeça.
Bem. Se ela não estivesse olhando pra ele, só poderia estar olhando pra algum dos cabeludos e, ao pensar nisso, julgou-se mais atraente que seus concorrentes e começou a cogitar seriamente a hipótese de que os olhares eram mesmo pra ele.

Tão rápido quando lhe permitia a timidez, foi até o bar, comprou outra cerveja e aproximou-se da menina. Sua posição do bar em relação à menina era mais favorável do que o lugar onde estava anteriormente. Ali, ela não poderia vê-lo chegar até que estivesse bem próximo dela. No caso de ganhar um fora de cara, bastava dar meia-volta, fingir que ia no banheiro e seus amigos dificilmente perceberiam que ele acabara de entrar pelo cano. Pior do que tomar um fora é tomar um fora tendo seus amigos como testemunha.

Ele chegou, tocou no ombro da guria, ela virou em sua direção já sorrindo, ele lhe ofereceu cerveja, ela aceitou e começaram a conversar. Logo estavam dançando timidamente e foi da garota a providência de aproximar-se cada vez mais até que seu corpo tocasse completamente o dele.
Usando o álibi de que a pista de dança a essas alturas tocava The Cure e estava lotada, ele tratou de puxá-la para ainda mais perto de si e, quando as luzes baixaram um pouco, corajosamente abaixou seu rosto até a altura do rosto da menina e perguntou-lhe ao pé do ouvido "posso te beijar?".

A menina - furiosa - se afastou, pediu licença, resmungou qualquer coisa sobre ir ao banheiro e nunca mais apareceu.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Feijoada

Ela envolveu meu pescoço com aqueles bracinhos miúdos, as perninhas em volta da minha cintura e seu rosto úmido comprimido entre meu rosto e minha mão. Ali, tentando não fazer barulho, chorando silenciosamente como uma pessoa adulta faria, ela me apertava, enrolava os dedinhos nos meus cabelos e soluçava dolorosamente enquanto tentava entender o que eu acabara de dizer.
Ela queria que eu fizesse feijoada (um de seus pratos favoritos) no almoço do dia seguinte. Eu disse que não poderia fazer.

Depois de passar um mês inteiro fora de casa, trabalhando em São Paulo, descobri que minha esposa vinha tendo um caso com um de meus amigos. Então voltei pra colocar um fim naquele casamento que vinha degringolando e sendo levado e arrastado porcamente já há um bom tempo.
Quando apareci, minha enteada fez cara de manha e implorou pra matar aula e passar o dia comigo.
Contrariando todas as regras que eu vinha tentando ensinar, consenti com a falta e passeamos o dia todo. Tomamos sorvete, compramos livros, comemos salgadinho e no fim do dia, pouco antes de sua mãe chegar do trabalho ela me disse que estava com saudades de comer feijoada.

Eu disse que não poderia fazer. Nem amanhã, nem depois de amanhã. Expliquei que eu e sua mãe estávamos nos separando. Que eu estava indo embora. Que essas coisas acontecem. Que a vida dos adultos funciona assim. Que ela entenderia melhor quando fosse mais velha. Que apesar disso, eu a amava.
Ela tentou entender. De verdade. Mas imagino o quão difícil devia ser.
Então ela só me agarrou com aqueles bracinhos, enroscando os dedinhos no meu cabelo, chorando baixinho e me apertando pra eu não ir embora.

Ela só queria comer feijoada.