sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Feijoada

Ela envolveu meu pescoço com aqueles bracinhos miúdos, as perninhas em volta da minha cintura e seu rosto úmido comprimido entre meu rosto e minha mão. Ali, tentando não fazer barulho, chorando silenciosamente como uma pessoa adulta faria, ela me apertava, enrolava os dedinhos nos meus cabelos e soluçava dolorosamente enquanto tentava entender o que eu acabara de dizer.
Ela queria que eu fizesse feijoada (um de seus pratos favoritos) no almoço do dia seguinte. Eu disse que não poderia fazer.

Depois de passar um mês inteiro fora de casa, trabalhando em São Paulo, descobri que minha esposa vinha tendo um caso com um de meus amigos. Então voltei pra colocar um fim naquele casamento que vinha degringolando e sendo levado e arrastado porcamente já há um bom tempo.
Quando apareci, minha enteada fez cara de manha e implorou pra matar aula e passar o dia comigo.
Contrariando todas as regras que eu vinha tentando ensinar, consenti com a falta e passeamos o dia todo. Tomamos sorvete, compramos livros, comemos salgadinho e no fim do dia, pouco antes de sua mãe chegar do trabalho ela me disse que estava com saudades de comer feijoada.

Eu disse que não poderia fazer. Nem amanhã, nem depois de amanhã. Expliquei que eu e sua mãe estávamos nos separando. Que eu estava indo embora. Que essas coisas acontecem. Que a vida dos adultos funciona assim. Que ela entenderia melhor quando fosse mais velha. Que apesar disso, eu a amava.
Ela tentou entender. De verdade. Mas imagino o quão difícil devia ser.
Então ela só me agarrou com aqueles bracinhos, enroscando os dedinhos no meu cabelo, chorando baixinho e me apertando pra eu não ir embora.

Ela só queria comer feijoada.