quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

70 anos

Quando eu tinha 18 anos, estava noivo e prestes e me casar. Já contei essa história. Os mais velhos vinham me aconselhar a não fazer isso. Diziam “Vá aproveitar a vida, conhecer outras pessoas.” E eu respondia “Não quero conhecer outras pessoas, eu já aproveito bastante a vida do lado da minha noiva.”
Mas por conta de uma série de coisas, de uma quantidade imensa de acontecimentos aleatórios, meio que por acaso acabei seguindo os conselhos dos mais velhos.
Conheci outras pessoas, não me casei aos 18 mas me casei aos 22 (com uma outra namorada) e depois me casei de novo aos 27. Aos 30 já estava solteiro mais uma vez e conhecendo mais pessoas e “aproveitando a vida”.
Não sinto o menor arrependimento por nada que tenha feito ou deixado de fazer. Sério.
Mas há uma coisa que clama veementemente por ser dita:
Conhecer pessoas e aproveitar a vida, assim como os mais velhos diziam é a maior e mais absurda balela.
É bem verdade que conheci mais de uma centena de pessoas. No fim das contas tive casos, romances, noites de sexo com tanta gente que nem consigo contar. Me apaixonei profundamente por algumas, me apaixonei parcialmente por outras, sofri e amei bem poucas. Todas elas – isso é verdade – deixaram alguma marca na minha alma e na minha índole. Todas elas me afetaram nalgum nível (seja lá qual for).
Mas se me perguntarem se sou mais feliz agora do que diante da perspectiva de casamento aos 18, eu talvez diga que não. Se me perguntarem se eu considero indispensável na minha biografia os anos em que estive “aproveitando a vida”, talvez eu responda que tanto faz.
Não foi fundamental. Minhas experiências não foram insubstituíveis. Pessoas são pessoas. Ninguém é um acontecimento extraordinário. Ou, pelo menos, nem tanto assim.
Mesmo as pessoas que me marcaram mais, passaram. Marcaram, inspiraram posts no blog, inspiraram noites e noites de filosofia, justificaram o dinheiro que gasto mensalmente com a psicóloga, mas passaram. E vão passar. E vão continuar passando.
Minha vida não é mais especial porque não casei com minha primeira namorada. E tenho quase certeza de que não seria menos aventuresca se eu tivesse me casado.
Eu converso com pessoas mais velhas que queriam não ter casado, conheço pessoas jovens ansiosas por encontrar alguém com quem casar, gente que namora há anos desejando a possibilidade de trepar com outras pessoas e - poutz - isso faz mesmo alguma diferença?
Por mais única que cada pessoa seja, elas não são tão diferentes assim. Conhecer uma multidão, no fim, é mais uma "dispersão" do que uma "aglomeração".





Eu tenho tantas histórias que renderiam uma dezena de livros. Uma dezena de livros de qualidade questionável. Uma quantidade imensa de histórias que vão morrer comigo. Uma imensidão de histórias que não vão fazer a menor diferença pros meus netos. Histórias que eu terei esquecido aos 70 anos.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

De madrugada


Às vezes acordo de madrugada e me pego pensando nela. E perco o sono.
Penso em tudo o que poderia ter sido e não foi. Nos planos que meu romantismo precipitado começaram a traçar, as brincadeiras que a gente fazia, os segredos que compartilhávamos. Na efemeridade das coisas e sobre como tudo passou tão rápido quanto veio.

Às vezes eu acordo de madrugada e penso em mandar um email, pedir desculpas, chamar de volta, seduzir outra vez. Mas as coisas são como são e têm um tempo certo pra acontecer. Algumas histórias têm uma chance só. E então tudo muda tão rápido que fica impossível voltar atrás e tentar restabelecer o que era. Ou estabelecer algo novo.

Às vezes acordo de madrugada torcendo pra acordar de manhã e descobrir que o houve de errado foi um daqueles sonhos neuróticos que a gente tem quando se sente inseguro.

Às vezes eu acordo de madrugada e viro de lado, abraçando o travesseiro e tentando sentir nele algum resquício do perfume do cabelo dela.

domingo, 29 de setembro de 2013

Simples assim

“Então é isso?” Ela disse: “Depois de tudo, depois de ter dito que me amava, depois de mandar sms bêbado, no meio da madrugada, é assim que vai terminar? Você diz que não quer me ver nunca mais e acabou? Simples assim?”

Não era – em absoluto – simples assim. Não era uma decisão tão fácil de se tomar nem uma ação tão fácil de se executar. Também não tinha sido, a despeito do que pudesse parecer, uma decisão tomada de última hora. Era uma decisão pensada, ponderada, avaliada e até adiada. Adiada uma centena de vezes.
Mesmo que se ame alguém, mesmo que se goste e se queira a presença dessa pessoa, mesmo tendo no histórico uma série de situações e de lembranças deliciosas, de acontecimentos únicos e sensações inesquecíveis, mesmo nesse caso, às vezes, convém parar e refletir se aquilo que está sendo construído, se a relação que está sendo desenvolvida é realmente boa.
Às vezes não é.
Às vezes tudo é tão errado, tão cheio de vícios, tão mal arranjado que não haja qualquer possibilidade de funcionar. Que o tempo, que a insistência na manutenção, que a persistência na continuidade só causem um desastre ainda maior e o dano seja irreparável.
Às vezes, por mais que o coração queira e a alma anseie, o melhor talvez seja cortar os laços. Simplesmente desistir.

Não era fácil. Por dentro eu sentia o ímpeto de abraça-la, de toma-la no peito, enxugar suas lágrimas, beijar sua boca e repetir que a amava, que a queria agora e sempre, que tínhamos de ficar juntos, que tudo ficaria bem, que eu cuidaria dela, que eu sabia exatamente qual era o caminho que tínhamos de tomar pra estar juntos, tendo superado as intempéries. Que era possível somar forças pra que seus medos, aos poucos, fossem superados, pra que suas desconfianças fossem esquecidas, pra que tudo tivesse um final feliz. Mas era mentira.
Eu tinha feito o que sabia, tinha tentado o que me cabia, o que considerava ser da minha alçada, da minha parcela de responsabilidade, e não tinha funcionado.
Minha experiência, meu auto controle, minha sinceridade, minha honestidade, nada tinha surtido efeito.
O que ela queria – no fundo -  era que eu fosse capaz de corresponder exatamente, e minuciosamente, às expectativas que tinha criado dentro de si, e isso era impossível.
De fato, em vez de ser capaz de conter suas inseguranças, suas neuroses, eu é que comecei a ser afetado e desestabilizado por elas. Por mais que a amasse (e amava), naquele momento parecia ser imprescindível amar mais a mim mesmo. E me poupar.

Por dentro eu sentia o peito se despedaçando e a alma se contorcendo em tristeza, solidão e remorso. Por dentro eu queria ser aventureiro e apostar nela meu resto de sanidade.
Mas não era tão simples assim.

Por fora, eu olhei friamente em seus olhos marejados e terminei tudo, dizendo com desdém: “É... É simples assim.”

domingo, 11 de agosto de 2013

Madri

Nem toda história de amor acaba mal. Nem toda história de amor acaba.

Eu conheci essa menina numa noite em que tinha saído pra encontrar outra menina, que não apareceu. Nos conhecemos na fila do banheiro e mais tarde, no auge da festa, dançamos juntos, conversamos, rimos, bebemos e nos beijamos.
Ela estava de malas prontas pra Madri, disse que se sentia sufocada em São Paulo, disse uma porção de outras coisas que não lembro porque eu estava muito bêbado e disse que gostava de mim.
Dias depois nos encontramos de madrugada, sentamos sozinhos num dos bancos da Roosevelt, bebemos cerveja e conversamos por horas.
Fomos pra casa dela, colocamos Nina Simone e conversamos por mais uma porção de horas.
Eu queria beijá-la, queria mordê-la, queria bebê-la mas também queria lhe escutar falar de si. Queria falar de mim. Queria acelerar aquele processo, gastar todas as fichas, consumi-la completamente antes que o dia amanhecesse e eu tivesse de ir embora e deixa-la ir embora também.
Eu queria que ela mudasse de idéia, que ficasse. Queria que ela fosse e fugisse dessa cidade de merda, mas não queria que fugisse de sob minhas asas. Eu queria entrar no avião com ela.

Eu queria tudo e queria tanto que deitei-a no sofá da sala, a Nina Simone gritando “Feelings”, os dentes dela no meu peito, seus cabelos engastados nos meus dedos, suas pernas em torno das minhas costas e toda a cerveja que tínhamos bebido e tudo o que tínhamos conversado reverberando na minha cabeça que eu já não sabia mais nada, que eu já não distinguia onde acabava meu corpo e onde começava o dela nem quais gritos eram nossos nem quais eram da Nina Simone. Eu queria tudo e queria tanto que naquele instante eu quis de todo coração ter um filho com ela e quis a ponto de vê-la correndo no quintal e rolando na grama com meu filho, sorrindo aquele sorriso imenso e luminoso, aqueles gestos cheios de vida, aquela leveza de quem não se importa com o que não tem importância e só.

Dormimos.

Nem toda história de amor precisa continuar. Só precisa continuar sendo uma história de amor.
No dia seguinte ela foi pra Madri.

domingo, 4 de agosto de 2013

Hoje aconteceu

Poucas sensações no mundo me são tão caras quanto a de estar apaixonado.
Andar pela rua sorrindo pros transeuntes mal-humorados, sentindo-se pisar em nuvens. Deitar na cama pra dormir e se pegar revisando na memória as coisas ditas, os detalhes anatômicos mais charmosos. Acordar na manhã seguinte e escovar os dentes planejando que pretexto inventar pra dar um telefonema, mandar um recado, convidar pra um jantar. Recusar sem remorso um trabalho novo só pra ter tempo de ficar juntos. Passar uma tarde inteira batendo papo sobre as coisas mais variadas, emendando um assunto no outro e no outro e depois voltando ao primeiro assunto sem concluir nada. Projetar futuros possíveis mesmo sabendo que podem não ser possíveis. Querer – sinceramente – saber sobre como foi o dia.
Ficar de mão dada.

Mas apesar do prazer que isso me traz, apesar da necessidade quase física que eu tenho de sentir essas coisas, apesar disso funcionar pra mim meio que como uma droga, a idade me fez seletivo, ranzinza e fechado. É cada vez mais difícil ter essas sensações e é cada vez menos visceral quando acontece.

Hoje – porém – aconteceu.
E mesmo que não se repita pelos próximos dias ou semanas (ou meses ou anos), hoje aconteceu e eu estou pleno, bobo e feliz.

Hoje aconteceu e eu vou dormir pensando nela.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

1202

Eu não estou falando de amor, porque neste momento amor é a última coisa que me importa. Também não estou falando da guria que estava lá porque a guria, quem ela era, o que representava e quais características físicas tinha, são completamente irrelevantes nesse contexto.
Esta história poderia ser contada de uma dezena de formas, sob uma série de ângulos e com uma infinidade de aspectos emocionais e circunstanciais. Agora, só me interessa abordar um desses aspectos. Esta história é sobre uma foda.

Eu tinha reservado a suíte presidencial de um hotel antigo, clássico e absolutamente kitsch do centro da cidade. Era véspera de réveillon, tínhamos tido um ano intenso de todas as formas possíveis e queríamos um fim de ano que coroasse aquilo tudo.
Ela comprou uma garrafa de Jack Daniels e eu gastei uma pequena fortuna em 30 gramas da melhor cocaína que se pudesse conseguir naquela época.

Isso não é um conto de ninar, pelo contrário:

Foram dois dias sem dormir porque naquele momento não estávamos interessados em bem-estar. Foram dois dias sem comer porque nosso foco era sublimar. Foram dois dias sem colocar roupas, usufruindo do corpo um do outro, esquecendo do mundo, desconsiderando o ano porvir e todas as responsabilidades, todos os problemas, todas as consequências e toda a chatice da vida habitual.
O mundo resumia-se àquele quarto de hotel, àquele papel de parede démodé e ao nosso ímpeto de nos consumirmos mutuamente. De esquecer a passagem do tempo e de nos preenchermos um do outro. De mergulhar no corpo com a boca, os dedos, a mão e o braço, de sangrar, de chegar ao limite físico e parar, beber mais um pouco, cheirar mais um teco, discutir assuntos sem qualquer relevância prática e voltar ao corpo, à boca, aos dedos etc.
O mundo resumia-se à ânsia de comprimirem-se as peles, de queimar-se a carne (figurativamente), de gastar todas as possibilidades e chegar quase (quase) a um nirvana qualquer, a uma catarse qualquer que resumisse tudo à simplicidade dos membros, dos lábios, dos peitos. De se reduzir à animalidade, ao primitivo, à irracionalidade, à besta hedonista de cada um de nós, à uma inconsequência primordial e infantil, ao tamanho bobo e ínfimo de quem se esquece de quem é. De quem abdica de si pra ser no outro.


Essa história é sobre aquilo que nunca mais se repetiu. Porque seria impossível de se repetir. Porque o que quer que tenhamos sido ao longo daqueles dois dias, consumiu-se e feneceu na suíte 1202 daquele hotel.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A menina que nunca foi

Um pouco antes de começar a namorar a menina com quem eu estava tendo um affair, quando eu ainda nem sabia que dali há algumas semanas aquele affair viraria um namoro e o namoro viraria noivado, acabei conhecendo uma outra guria.
Morena sorridente, inteligente, miudinha, olhos e nariz grandes, do tipo que sempre (sempre!) me deixa encantado. Ela era de peixes, fazia faculdade, morava com umas amigas ali, pelas redondezas da Augusta e me achou parecido com o Chris Cornell, o que discordei veementemente mas acabou sendo o gancho da nossa conversa.
No fim da noite trocamos números de telefone e eu prometi ligar pra marcar um encontro, uma cerveja, qualquer coisa.
Mas meu telefone foi roubado pouco tempo depois e – mais um tempinho adiante, como já tinha dito – comecei a namorar.

Nunca liguei.

Tempos depois, por acaso, saindo da estação de metrô da Consolação, acabamos nos encontrando. Batemos papo rapidamente, falamos sobre o que havia de novo, contei do roubo do meu celular e ela contou da faculdade, anotei mais uma vez os números do telefone dela, nos despedimos e prometi de novo que telefonaria.
Mas eu ainda estava namorando.
Ela me ligou. Não marcamos nada. Não falamos sobre as novidades. Nada. Apenas falamos.
Meu namoro tornou-se noivado, o noivado acabou e até hoje eu lembro daquela pisciana com curiosidade, com interesse e com vontade de ter tido a chance de saber mais sobre ela, de escutar suas histórias, de experimentar sua companhia.
Até hoje me perco conjecturando o que teria acontecido se meu telefone não tivesse sido roubado, se meu namoro não tivesse vingado, se acabássemos nos encontrando outra vez, por acaso, nalguma esquina da Augusta. Se tivéssemos tido oportunidade de nos conhecermos, se eu tivesse telefonado na segunda vez, se ela não tivesse desaparecido depois daquela ligação...

De todas as meninas que conheci ao longo da vida, até hoje, ela é a mais bonita, a mais inteligente, a mais sorridente. A mais perfeita, mais isenta de deméritos, a que mais resplandece. Porque de todas as meninas que foram parte da minha vida, aquela pequenina morena pisciana acabou sendo a única menina que nunca foi.

sábado, 29 de junho de 2013

Duas ou três semanas

Se eu dissesse que eu não sinto falta dela, estaria mentindo. Se eu dissesse que, às vezes, deitado na cama, prestes a dormir, quando de repente a ilusão de seu cheiro surge na minha mente, mesmo que ela não tenha - nunca mais - posto os pés dentro de casa e me vem à cabeça a lembrança viva de suas perninhas finas apoiadas nas minhas ao longo da noite, eu não lamento profundamente o rumo que as coisas tomaram, eu estaria me enganando.
Se eu dissesse, enfim, que nunca torci pra que aquilo desse certo, mesmo com todas as chances de que desse catastroficamente errado eu estaria sendo absolutamente desonesto.
Se eu dissesse que, cada vez que vejo uma de suas fotos, sorrindo lindamente em meio aos amigos, resplandecendo com aquelas caras e bocas, aquelas expressões absolutamente sicilianas... se eu dissesse que não me comovo, eu estaria sendo estúpido.
Mas a vida tem seus próprios caminhos, seus meios canhestros de construir histórias, suas estradas tortuosas, sua forma peculiar de traçar os destinos e aquela foi só mais uma estranha, bela e rápida história de amor.


 Se eu dissesse que aquelas duas ou três semanas não ficarão pra sempre marcadas em mim, pro bem e pro mal, eu estaria enganado.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Do Egoísmo

Depois do desmoronamento sentimental que me provocou o fim de mais uma relação longa, fiz o que a maioria das pessoas fazem e corri atrás de alguém que pudesse tomar o lugar da guria que tinha ido embora. Foi um desastre, lógico. Sempre é.
Com o tempo o obvio aconteceu e aquela necessidade quase desesperada de substituição foi se esmaecendo natural e gradualmente. Outras pessoas vieram e ocuparam o lugarzinho que estava vago mas, dessa vez, não pra substituir alguém e sim por méritos próprios. Porque eram pessoas interessantes em algum nível, porque eram bonitas, porque me atraíam a curiosidade, porque me agradava a companhia ou porque tinham um excelente desempenho sexual.
Uma nódoa ficou, no entanto, e meu criticismo (muito provavelmente afiado depois das desilusões) chegou num patamar em que simplesmente não consigo mais olhar pras pessoas sem desgostar delas em algum nível.
É como naquele filme antigo em que o mocinho de repente olha pras pessoas e pras coisas na rua e enxerga o que existe por trás dos rostos bonitos, das boas intenções, dos outdoors insuspeitos.
De repente todas as pessoas tornaram-se sinistramente transparentes e toda a fraqueza, o egoísmo, toda motivação dúbia ficou clara o suficiente a ponto de anular qualquer ímpeto de me aprofundar nelas. É como se acabasse o mistério, como se tivesse se esgotado a minha curiosidade, o meu fascínio e tudo tivesse ganhado o tom cinza do tédio. Aquela cor dessaturada e desinteressante do clichê.

Talvez isso seja só uma fase. Talvez isso dissolva-se e desapareça sozinho e de forma tão natural quanto apareceu. Ou talvez não.
O fato é que, agora, tudo é tão chato, tão desprovido de ânimo que me falta motivos até pra lamentar. Minhas ideologias, minha moral, minhas crenças, minhas certezas ocupam tanto espaço que não me sobra tempo nem intelecto (nem sentimento) pra mais nada que não seja eu mesmo ou minhas aspirações.
Deixa estar, então.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Casal Bonito

Ela disse “Vocês formam um casal bonito” e eu não fui capaz de agradecer.
A mesma frase já tinha sido dita tantas vezes, em tantas situações diferentes, em tantos relacionamentos anteriores àquele que a coisa toda acabou perdendo o peso e o possível conteúdo lisonjeiro tinha se esvaziado.
As pessoas sempre dizem esse tipo de coisa com a intenção de serem simpáticas e quem ouve recebe como se fosse uma saudação, uma constatação externa de aprovação, um atestado do potencial de sucesso que aquela relação encerra. Mas quando tudo termina, quando o belo casal se desfaz e a harmonia se quebra a audiência escolhe um lado. Um dos membros do casal é eleito como a vítima, o outro como algoz e as exclamações elogiosas dão lugar a conselhos e frases de consolo maliciosas.
Aqueles que pareciam apoiadores do projeto amoroso dos dois, tornam-se testemunhas receosas do fracasso, balaústres da dor do lado aparentemente derrotado.
Quando o amor se finda os elogiosos expõem antigas desconfianças e receios anteriormente velados por “respeito” ou por “educação”.
Quando o belo casal rompe todos os demais tinham tido pressentimentos negativos. Todos os externos tinham deduzido que aquilo daria em nada.


Escola

Muito frequentemente as pessoas me perguntam o que inspirou o nome do blog. Mais frequentemente ainda as pessoas – principalmente as garotas – deduzem que o “Canalha” do título seria eu.

Nunca foi.

O blog se chama “Escola de Canalhas” porque a vida é uma escola de canalhas. Porque as mulheres, os amores perdidos, as desilusões e as dores de cotovelo são a Escola de Canalhas de qualquer cara.

Ninguém nasce canalha e, na verdade, salvo raras exceções todo mundo nasce bobo e bem-intencionado.

Não há nem nunca houve qualquer intento doloso naquele bilhetinho galante com caligrafia tosca pousando repentinamente na mesa da coleguinha da segunda série.
Nenhuma idéia maligna motivando a declaração de amor boba sussurrada timidamente entre dezenas de reticências, olhares vacilantes e testas úmidas, no intervalo entre as aulas de matemática e de história.
Nem um lampejo de maldade por trás daquele pedido de namoro.
Não há sentimentos escusos, nenhuma vilania ou qualquer mesquinhez no desejo de dar e receber carinho. Não há segundas intenções na ânsia de estar dentro do corpo da menina, de sugar-lhe a língua, de embrenhar-se nos cabelos dela.
Quando aquela necessidade quase inebriante de tê-la por perto, de ouvi-la falar, de monopolizá-la toma conta de tudo, não há motivações egoístas.
Nenhum desejo deliberado de subjugação.

Tampouco há qualquer vício ou cólera por trás daquele pedido de casamento.

No entanto o bilhete tosco é rechaçado. A declaração de amor é ignorada e o pedido de namoro, negado.
Apesar de todas as boas intenções, de toda motivação amorosa o sexo é tomado por pecado e a ânsia por companhia tida como restrição.
Em detrimento das motivações nobres, das ambições cálidas o pedido de casamento vira ameaça.
E não por maldade, mas por inépcia, com o tempo o que parecia bom vai ficando cinza e ganhando ares de crueldade. E por medo e por despreparo toda calidez vira raiva, desprezo e frieza.
E por uma sequência de fatalidades a vida acaba, enfim, por graduar mais um canalha.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O demônio da desistência


Eu dei uma mancada, assumi e prometi que faria o possível pra não repetir a mancada outra vez. Ela respondeu “Tudo bem, mas se tiver uma próxima eu simplesmente saio fora e te deixo lá.”

Não era difícil entender e concordar que a guria tivesse ficado chateada, mas uma coisa me fez ficar pensando: por que, em momentos de crise, a gente prefere simplesmente cair fora e desistir em vez de insistir e fazer um esforço pra consertar?
É obvio que deixar pra lá é infinitamente mais fácil, demanda menos esforço e elimina os riscos de apostar e perder. Mas a impressão que tenho é de que há quase uma tendência das pessoas a desistir, abandonar, largar mão das coisas ao primeiro sinal de dificuldade. E essa impressão me desagrada absurdamente.
Nem tudo vale realmente a pena empreender algum esforço, mas desistir de toda e qualquer coisa ao menor sinal de problema denota uma preguiça e uma indisposição a investir em longo prazo que é absolutamente desfavorável.
Construir coisas, angariar relações, empregos, clientes, amigos etc que valham a pena, que sejam realmente relevantes, que sejam importantes, envolve uma dose (uma boa dose) de entrega, de sacrifício, de disposição e – claro! – de risco.
Quase tudo o que traga algum retorno valoroso demanda um investimento perigoso. A vida é assim. Os caminhos fáceis são voláteis e ponto.
Além disso lidar com pessoas, amá-las, tê-las conosco não é e nunca foi fácil. E jamais será.

Se você deseja construir relações sérias e duradouras, se quer realmente conseguir ser capaz de ser feliz ao lado de alguém, esqueça todo e qualquer vestígio de orgulho próprio, esqueça os traumas do passado, esqueça as mentiras e os descasos das pessoas que te machucaram e simplesmente arranque a força e a paciência necessárias de onde quer que haja isso em você e invista.

Vá fundo. Ou nem comece.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Pra quem tem fé


É preciso uma certa dose de desapego pra amar alguém. É preciso disposição pra dar, pra doar de si sem esperar nada em troca.
É preciso disponibilizar tempo. Permitir-se uma boa dose de exposição. Permitir-se passar por ridículos. Deixar o orgulho de lado, abdicar do ar blasé que a vida impõe. 
É preciso estar aberto ao outro. Querer deixar-se misturar, querer perder uma parte de si pra arranjar um espaço onde caiba outra pessoa. É preciso relevar de um ou outro desejo pessoal. Abandonar alguns sonhos, alguns desejos intrínsecos. É preciso permitir-se auto postergar.

É preciso também coragem. Daquele tipo de coragem que quase beira a burrice.
Coragem pra assumir-se entregue. Coragem pra dividir. Coragem de não se resguardar.
É preciso ter cara de pau. Porque quando todo mundo a sua volta te olha e vê seu sorriso bobo ou seu choro incontrolável, sua dedicação abnegada, sua devoção cega, sua entrega, sua falta de lucidez, é preciso um bocado de falta de vergonha  na cara pra assumir-se amando. Pra exibir-se escravo. Pra expor essa condição meio lastimável de pessoa cujo coração pertence a outra pessoa.

É preciso estar disposto a ser deixado de lado. É preciso aceitar a possibilidade de ser enganado. É preciso entender que nem sempre é uma via de duas mãos.
Pra amar – e amar de verdade, sem ressalvas e sem frescuras – é preciso aceitar e aceitar e aceitar. E quando parecer que não é possível mais levar as coisas adiante, aceitar mais um pouco, porque todo mundo é fraco, todo mundo erra, todo mundo pisa na bola e eventualmente se esquece que o próprio umbigo não é o centro do universo.
Amar é querer algo mais. É ter a necessidade de levar os sentimentos pra um outro nível, pra um outro patamar, pra um mundo de gente grande, onde as coisas são sérias e onde o interesse não é somente ter ou ser, mas ser mais, ir além, recriar o mundo e construir uma entidade. Erigir uma instituição. 
Pra amar alguém é preciso amar mais do que a si mesmo. 
Pra amar não basta somente amar.

Porque amar não é pra qualquer um. Não é pra quem tem medo. Não é pra quem tem pudores. Nem pra quem tem tato.

Amar é pra quem tem fé.


Diálogo 9*

"_Você virá pro casamento?"
"_Só se eu puder me sentar do lado da noiva."
"_Você vai achar meio solitário sentar do meu lado."
"_Sempre foi solitário ficar do seu lado. Mas eu não escolheria nenhum outro."

*Kill Bill parte 2

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Escola de Canalhas - Parte 3


(continuando...)

O aspecto mais cruel da juventude é que, por inexperiência e inaptidão, você acaba abrindo mão de coisas que naquele momento não lhe chamavam atenção mas, num futuro próximo, lhe serão extremamente caras.

Na primeira vez que resolvi sair sozinho, sem minha namorada da época, eu até não tinha a intenção de fazer qualquer coisa que a pudesse magoar ou que pudesse conspurcar nossa relação. Mas saí sem avisar. Resolvi sair escondido.
Eu estava sentindo falta da minha autonomia, sentindo falta de me sentir só, sentindo falta de fazer as coisas no meu tempo, sem precisar avisar, dar satisfações, esse tipo de coisa que parece importante quando se está num momento como aquele que eu passava.
Acabei conhecendo uma garota pequenininha, ruiva, sorridente e bobinha que me achou parecido com o Jim Morrison e ficou toda encantada. Era impossível olhar pra ela e não pensar num cachorrinho pedindo atenção. Uns dias depois, chegamos a almoçar juntos, mas ela era realmente muito bobinha e comecei a me sentir francamente chateado por estar traindo uma pessoa tão madura, tão inteligente e complexa como minha namorada, com aquela guria tão pueril e rasa. Parei.
Um tempo depois fui numa festa com um de meus amigos e acabei ficando sozinho mais uma vez. Conheci uma japonesa mestiça que disse que eu era “esquisito e engraçado”. Ficamos juntos, conversamos horas sobre livros e descobrimos que éramos dois fãs fervorosos do Nabokov. Essa guria tinha namorado, mas ele não gostava de sair e deixava ela sair sozinha. Nunca mais nos vimos.
Na terceira vez, minha namorada tinha ido visitar a família no interior do estado e eu tinha recebido a visita de um amigo de outra cidade.
Resolvi que precisava mostrar as coisas pra ele. Saímos, bebemos, andamos pela Augusta inteira e resolvemos entrar numa casa que ficava quase lá no final.
Tinha essa guria esguia, morena, dançando com os amigos num canto. Trocamos olhares, lhe comprei uma cerveja e acabamos juntos.
No dia seguinte, enquanto ela dormia encolhida na minha cama, fiquei olhando a menina, os cabelos no rosto, as costas meio arqueadas. Aquela pessoa estranha ali, mais uma pessoa estranha ali e pensei no tamanho do idiota que eu era.
Minha namorada era muito mais bonita, muito mais interessante do que qualquer uma daquelas garotas que eu eventualmente conhecia à noite e, mesmo que sentisse culpa, mesmo que entendesse que estava cometendo um erro, semanas ou meses depois acabava repetindo o mesmo erro de novo e de novo.


(continua...)

domingo, 6 de janeiro de 2013

Vergonha


Uma das sensações mais atrozes do mundo é quando um relacionamento acaba e você se sente humilhado.
Quando você pensa a respeito, faz uma retrospectiva mental e conclui que ela foi desigual. Que os sentimentos não eram equivalentes. Que as expectativas não eram equivalentes e que – por embotamento seu ou omissão do outro – um dos lados foi usado como muleta, como degrau ou como passatempo.
Quando reflete e, de repente entende que não houve troca. Que a coisa toda foi uma farsa unilateral. Quando você se toca que o seu papel, no fim das contas era simplesmente o de dar suporte, o de maquiar e compensar carências afetivas da outra parte. Quando você entende que, a partir do momento em que seus defeitos começaram a vir à tona, ou sua capacidade de ser provedor deram sinais de esgotamento, nada mais restava de valor para a outra pessoa, nada mais restava que sustentasse, que alimentasse aquela relação.

E a humilhação é um sentimento estranho, porque nada que é dito, nada que é feito pode compensá-la ou corrigi-la. E o peso, a culpa que se sente por ter-se permitido – muitas vezes sem dar-se conta – ser alvo desse tipo de situação aumenta o dano,  aumenta o machucado daquele que se sente humilhado a níveis destruidores.

É um ego que talvez jamais seja recuperado. Uma estima que talvez nunca mais se sustente. É o maior crime que se pode cometer no campo das afetividades.

E então o que se sente é vergonha, muita vergonha e muita raiva por ter-se deixado usar. Por ter-se permitido acreditar na farsa que se desenrolava, por ter-se permitido ser vítima do egoísmo, da covardia, da mesquinhez, da fraqueza de caráter e do medo alheio sem ter percebido quando ainda havia tempo, quando ainda era possível escapar disso com cicatrizes menores.
Vergonha por não ter tido a maturidade ou o instinto de autopreservação pra perceber aquela situação inglória e lancinante tomando forma. Vergonha por não ter desistido antes de ser tarde demais.

Vergonha por ter traído a si mesmo.