sábado, 15 de agosto de 2009

10 de Dezembro de 2003

Tem uns momentos na vida em que nos sentimos solitários, vazios, vilipendiados, pobres e abandonados. Momentos em que tudo o que queremos é uma companhia boa, mansa e carinhosa. Uma palavra de amor que nos faça sentir que temos um lugar no mundo. Um abraço que nos faça perceber que somos amados. Um beijo que nos faça sentir que ainda somos desejados (e desejáveis).
Eu tive centenas de momentos como esse, e quase sempre amanhecia o dia ainda sozinho. Então, quando a guria me olhou com aqueles olhos vermelhos e cheios de água, a boca levemente retorcida tentando segurar o primeiro soluço de um choro que, se viesse a faria desabar, as sobrancelhas arqueadas, as mãozinhas gorduchas postas sobre as coxas apertando-se num limiar de desespero. Quando ela me olhou implorando um abraço eu abracei sim. Mas também segurei em sua nuca com força e beijei-lhe a boca. Beijei pra mostrar que tudo podia melhorar. Que ninguém é o lixo que às vezes pensa ser. Que se por uma lado uma pessoa te abandona, por outro existe alguém que te acolhe.

Eu estava saindo do bar e indo pra casa numa quarta-feira à noite quando o celular tocou e era a Léa namorada do Ricardo, um de meus amigos mais frequentes. Desde a adolescência as pessoas à minha volta usavam-me de conselheiro e aquilo já tinha se tornado quase rotina na minha vida. Mesmo sendo cético, eu comecei a interpretar aquilo como um tipo de "missão divida" e atuava de forma tão séria quanto se fosse uma profissão. No telefone, a menina chorava porque meu amigo havia recém terminado o namoro com ela. Não pensei duas vezes: desviei meu caminho e fui até sua casa.
Quando eu cheguei ela já estava mais calma. Os olhinhos um pouco inchados, as bochechas rubras, mas sorriu quando me abriu a porta.
Não me ofereceu água nem nada pra comer. Só indicou um lugar no sofá e eu sentei. No outro sofá dormia sua filhinha de dois anos e meio, coberta por uma manta cor-de-rosa e uma chupeta imensa na boca.
Começamos a conversar e ela me contou como foi a discussão com o Ricardo, de como ele parecia resoluto na decisão de abandoná-la e de como ela se sentira a mulher mais incapaz de ser amada do mundo.
Sua mágoa era grande porque o pai de sua filha havia lhe abandonado há pouco menos de um ano, trocando-a por outra. O Ricardo tinha sido sua primeira relação depois do fim de seu breve casamento e, apenas 3 meses depois, ele também lhe deixara pra trás.
Eu falei sobre o que eu cria ser o mecanismo da vida. Sobre a força que ela tinha de ter pra cuidar de si e da filha. Mas naquele momento ela não tinha força alguma dentro de si.
Meu coração se desfez vendo-a tão vulnerável, tão doce e tão seca de propósito.
As bochechinhas rosadas. Os ombros caídos. Sua alma, tão pequena e despreparada pedindo socorro. Ela era tão nova pra já estar vivendo aquilo tudo... sozinha numa casa com uma criança de dois anos.

Ela tirou uns fios dourados de cabelo que grudaram no rosto húmido, eu segurei sua mão, abracei sua nuca e suguei de sua boca todo o choro. Tentei tirar dali de dentro aquela dor que era demais. Tentei preencher aquele vazio com o que quer que houvesse dentro de mim. E o que tinha dentro de mim também era fraqueza. Também era carência. E eu me apaixonei.

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