terça-feira, 3 de novembro de 2009

Instinto

Sabe quando duas pessoas trocam olhares pela primeira vez e imediatamente surge uma fagulha elétrica? Foi assim que aconteceu com eles.
Quando os olhares se cruzaram, na cozinha da casa dela, quando um fitou por segundos o rosto do outro e os dois perceberam imediatamente o desejo recíproco, os rostos coraram. A garganta travou sutilmente e os dois desviaram os olhares um do outro tão rápido as sinapses cerebrais permitiam. Mas era tarde. O estrago estava feito. Ele percebeu que ela o desejara. Ela percebeu que ele a desejara. E o marido dela percebeu o desejo recíproco dos dois.
Aquela energia sexual tomou conta do cômodo, criou um silêncio temporário, um breve embaraçamento, um medo de que alguém mais percebesse e um desejo de que todos percebessem.
Ela se viu sendo agarrada por ele, jogada por sobre a mesa, suas roupas rasgadas, os convidados imóveis, em choque, vendo-a ceder ao desejo, entregando-se ao estranho no meio do público como num ritual celta.
Ele se imaginou levando-a pra um canto escondido, sussurrando indelicadezas em seu ouvido e beijando sua boca ardentemente, longe dos olhares do marido.
O marido ficou olhando a cena, que pra ele pareceu durar uma eternidade, um acontecimento em câmera lenta e especulou de si pra si que, se os dois fossem um pouquinho mais loucos, um pouquinho mais corajosos, se atracariam ali, na frente dele e de todos. Beijariam-se com furor e desespero fazendo cair os queixos dos presentes, mandariam as convenções à merda e consumariam o desejo sem se importar com a humilhação que lhe causariam. Imaginou o amigo abordando sua esposa no corredor da casa, quando todos estivessem bêbados e entretidos demais pra dar pela falta deles. Conjecturou se deveria verbalizar o que vira e deixar os dois com cara de tacho, humilhá-los publicamente e humilhar a si mesmo. Fantasiou qual seria sua postura, sua atitude de macho caso os dois se atracassem, caso os dois não conseguissem se conter e ele flagrasse. E das mil coisas que o marido pensou, das mil coisas que ela pensou, das mil coisas que ele pensou, aconteceu a mais óbvia. Ninguém era tão louco ou tão corajoso pra dar vasão ao instinto e, passado o silêncio constrangedor, alguém abriu uma garrafa, serviu os copos e o papo recomeçou como se nada tivesse acontecido.

5 comentários:

Sara disse...

Hahaha adorei.
Você me lembra um pouco o Luís Fernando Veríssimo, transformando essas situações cotidianas em contos legais.
Muito bom, parabéns.
Beijocas

Adonay Esteves disse...

Te agradeço o elogio embora eu ache que não seja digno dessa comparação.

Beijos!

Luna disse...

li num folêgo.e o interessante, é que todos esses pensamentos e essas sensações, acontecem em milésimos de segundos. mas parece que tudo acontece em slow motion.

pensando nisso, algumas coisas na vida deviam ser mesmo em camera lenta... vou escrever sobre isso.rs

eu adoro aqui, sabia?

Clara disse...

hahaha, a descrição das imaginações dos três está muito real, adorei isso.
e o final realmente lembra verrísimo, com seus desfechos tão reais se tratando da vida, e tão inesperados em comparação a história...

Bea disse...

Eu vejo uma intesidade nos seus textos que é rara por aí...

é tudo descrito de uma forma que a gente vivencia junto com você...

é o lado humano do canalha que as pessoas negam...