segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Letícia

Tinha tudo pra ser perfeito.
Eu era jovem, romântico, apaixonado. Todas as tardes arranjava um tempo e ia buscá-la na academia. Às vezes eu a levava até em casa buscando caminhos alternativos pra que ninguém nos visse e pra que levasse mais tempo até chegarmos. Às vezes ela inventava alguma mentira pros pais e íamos pra uma pracinha linda que havia ali perto, cheia de árvores, chão de paralelepípedos e canteiros com lírios amarelos. Nos sentávamos no banco - eu de frente pra ela - e enlaçava meus dedos nos cachinhos dos seus cabelos loiros, rindo sem conseguir escutar nenhuma palavra do que ela dizia, tão hipnotizado eu estava pelas sardas em seu rosto. Pelos seus olhinhos verdes que quase fechavam quando ela sorria com aqueles lábios finos. Um sorriso tão bobo, tão pueril, tão encantador.
Ela era linda, fresca, pura. Jogava hand-ball, fazia dança-do-ventre, tinha a voz rouca, ficava meio dura quando eu a beijava, meio sem jeito. Ela gostava de tirar meus anéis e vesti-los em seus dedos só pra ver o quanto ficavam largos. Não sabia nada de nada e eu tinha de ensiná-la os nomes das constelações, corrigir as concordâncias, discorrer sobre quem era Modigliani.
Eu a escutava reclamar da vida e de problemas tolos e achava graça porque sabia que, de tudo, aqueles eram os menores problemas que ela teria na vida.
Nós andávamos de mãos dadas, mas só quando não tinha ninguém por perto. E quando eu ia em sua casa visitar sua irmã (que era minha amiga), trocávamos olhares cúmplices e disfarçados. Sentávamos bem longe um do outro e quando eu pedia um copo d'água ela se oferecia imediatamente pra buscar. Eu a acompanhava até a porta da geladeira pra que - longe das testemunhas - nos beijássemos um pouco. Depois conversávamos alto pra parecer que nada tinha acontecido. Ríamos e voltávamos pra sala.
Ela escondia furtivamente fotos e cartas de amor nos bolsos da minha mochila e quando eu chegava em casa lia os papéis e os guardava entre as roupas da gaveta.
Eu tinha acabado de receber a dispensa do serviço militar, era cinco anos mais velho que ela, ganhava pouco como auxiliar de borracheiro mas gastei um terço do meu salário numa camisa e outro terço num par de brincos de imitação de topázio.
Antes que eu pudesse lhe entregar o presente, sua irmã mais velha - minha amiga - cheia de cólera e ciúmes por descobrir que estávamos namorando me dedurou. Contou pra minha amada que ela também tinha um caso comigo e que, além disso, eu tinha uma noiva em Minas.

Os brincos nunca saíram da minha gaveta.
Eu tinha feito um desenho em que nós dois nos abraçávamos na pracinha cheia de liríos. Ela nunca viu o desenho. Nunca mais atendeu meus telefonemas e mandou que a recepcionista da academia não me deixasse entrar. Nunca mais olhou no meu rosto. Mudava de calçada se me visse na rua, fazia de conta que não me conhecia. Devolveu meus bilhetes.
E eu sentia mágoa. Menos por tê-la perdido e mais por tê-la perdido sem ter tido a chance de sequer tentar me explicar.

Então, todas as tardes eu me escondia no banheiro da borracharia pra chorar enquanto escutava a torneira da pia pingando o nome dela: Letícia, Letícia, Letícia, Letícia, Letícia...

3 comentários:

JAIRCLOPES disse...

Thi,
Sinceramente, quase chorei. Lembrei de meus tempos de garoto no interior do Paraná, onde passei por algo parecido que me deixou lembranças doces até hoje. O teu jeito de contar e a sensibilidade que você transmite é tocante e traduz um sentimento muito puro. Parabéns mais uma vez.

Unknown disse...

meldels... que ânsiaa!
canalhisses á parte: de quantas mulheres você precisa!
Todas tão maravilhosas... todas tão apreciadas...
mas ainda assim todas insuficientes!


Mas virei fã dos seus textos!

JAIRCLOPES disse...

Thi,
Entrei no saite que você recomendou, fiquei triste. Infeliz é o país que tem tal grau de desinformação. Parece que a falta do hábito de leitura é que deixa a população assim tão alienada, lamentável. Abraços, JAIR.