quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Codorna



Então de repente você percebe o tamanho do engano. Percebe a mentira daquilo que vinha tentando negar. De repente você pára e percebe exposta ali, a verdade chata e incômoda que vinha tentando ocultar. Aquela face feia que você vinha evitando encarar.

De repente você entende com toda a clareza do mundo, que seu relacionamento de anos não é mais o mesmo e não tem a menor chance de voltar a ser.
De repente você pára e simplesmente se toca de que a pessoa a seu lado não é mais a pessoa que você conheceu. E começa, de fato,  a aceitar a possibilidade de que provavelmente ela nunca tenha sido. Você olha pra ela, repara nos gestos, nos trejeitos, nos assuntos, na opiniões e fica procurando algum sinal daquela outra pessoa. Daquela outra, por quem você tinha se apaixonado.
De repente você nota que os novos amigos dela sabem mais coisas e mais segredos do que você sabe, hoje em dia. Repara que o armário dela mudou, que o perfume mudou, que a cor do cabelo mudou e não há ali nada mais com que você encontre correspondência.

São os fatos da vida. Não há o que fazer. Não há desejo algum, esperança nenhuma que seja capaz de alterar esse estado de coisas.
E não há com quem falar a respeito, nem há quem possa prover qualquer consolo ou conselho porque ninguém mais sabe o que houve. Ninguém conhece os fatos, ninguém mais conhece os envolvidos de forma tão profunda, com tantos detalhes, com tanto o que lamentar quanto você mesmo. Esse talvez seja o pior tipo de solidão que se possa sentir. O tipo de solidão que não pode ser exprimida, que não pode ser dividida, que não pode ser confessada. O tipo de solidão que só te deixa a possibilidade da resignação.


Como aquela codorna de asas quebradas que você encontrou no quintal da sua avó quando tinha seis anos de idade. Você acolheu, aninhou, investiu seu tempo e seu zelo, cuidou como se sua própria vida estivesse em jogo, passou a noite sem dormir, preocupado, torcendo, rezando pra que ela resistisse, pra que sobrevivesse. Mas então, no dia seguinte você corre até a caixa de papelão forrada com jornal, onde deixou o passarinho e descobre consternado que ele está morto, frio, rígido e com algumas formigas já trabalhando avidamente naquela carcaça, por sobre as penas miúdas do que - uma noite atrás - tinha sido um pássaro vivo, quente, respirando.

Quando isso acontece é porque nada mais resta. É porque, por mais pesar que haja, por maior que seja a vontade de continuar, de insistir naquilo, é hora de deixar pra lá. É hora de enterrar a codorna morta, resignar-se e voltar pro quintal, pra brincar.

2 comentários:

livia disse...
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L disse...
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