terça-feira, 13 de março de 2012

A torneira


Uma vez li essa história (que se não me engano, recentemente foi adaptada pro cinema) de um rapaz que era o caçula de dez filhos de uma família paupérrima de Belo Horizonte. Pela falta de condições de alimentar todos os filhos, a mãe deixou-o na FEBEM e a partir dali o guri viveu uma sequencia quase interminável de agruras que lhe mostraram o quanto a vida poderia ser amarga e o quanto as pessoas podem ser cruéis, abusivas, superficiais e mesquinhas.
Depois de mais de 100 fugas da instituição, de envolver-se com drogas, com furtos, de ser adotado por pessoas interessadas em usá-lo como amante ou empregado, certo dia uma senhora francesa que fazia pesquisas sobre as condições sociais no Brasil, interessou-se pela classificação de "irrecuperável" constante na ficha do menino e levou-o pra sua casa a fim de fazer algumas entrevistas.

Com o tempo o garoto foi cedendo, acostumando-se novamente a confiar e deixando-se ser cuidado. Foi permitindo-se dar e receber carinho franco e desinteressado.
Ele passou a morar com ela e aprendeu a ler e escrever e a falar francês.

Um ano depois, ao ouvir falarem sobre a expiração do visto da mulher, o garoto desesperou-se sentindo a eminência do abandono e, temeroso resolveu dar cabo da situação de insegurança que lhe afligia agora o coração.
Enquanto a mulher estava fora de casa, ele abriu a torneira da banheira deixando-a transbordar e alagar a casa inteira.
Sua intenção era provocar a mulher pra que ela tivesse a mesma reação violenta e egoísta com a qual tinha sido acostumado a lidar. Dessa forma poderia ser abandonado (ou até mesmo acelerar o momento do abandono) tendo a certeza de que ela não era uma exceção. De que era como todos os outros e nunca o tinha amado de verdade.

Não é um comportamento tão atípico. Diversas vezes fazemos as mesmas coisas (em níveis e intensidades diferentes). Por medo de perder, abrimos a torneira e antecipamos o fim. Desistimos no início pra evitar dores maiores posteriores. Encerramos uma história prematuramente pra não dar tempo da possibilidade de um final trágico conspurcar a esperança num final feliz. Então optamos por um final triste. Um meio termo sentimentalmente suportável.

Ao agredir a mulher que lhe tinha acolhido, o rapaz poderia mais uma vez ir embora sabendo que o mundo continuava tão inóspito quanto tinha aprendido que era e nunca mais sofrer pelo medo de perder alguma coisa valiosa. Poderia continuar a vida sem medo de perder a oportunidade de ser verdadeiramente amado, simplesmente porque tal oportunidade não existia e nunca tinha existido.
Quando chegasse em casa, a mulher lhe agrediria e ele teria a certeza que queria ter. Deixaria de sentir medo de perdê-la, fugiria de novo e teria aprendido mais uma lição importante sobre a rispidez da vida.

Mas não foi o que aconteceu. Ela chegou em casa, viu tudo irrecuperavelmente molhado, subiu até o quarto do rapaz, abraçou-o forte e demorado. E chorando disse "O que mais eu tenho de fazer pra te provar que te amo?"

Um comentário:

Anônimo disse...

eu vi esse filme, muito bom por sinal.