terça-feira, 24 de janeiro de 2012

"Lembre-se do sábado dourado."


Eu lembro que na semana em que começamos a ter um caso a filha dela foi dormir na casa da avó, comprei rosas, velas, incensos, o disco novo da Norah Jones e fiz um jantar.

Lembro de ter acordado ao meio-dia e de ter ficado olhando ela dormir por horas, satisfeito.

Lembro que quando ela acordou, passamos a tarde toda prostrados na cama, batendo papo e olhando o céu pela janela. O dia estava luminoso, quente e as nuvens filtravam a luz dourada do sol.

Depois de alguns anos juntos, quando as brigas foram ficando cada vez mais frequentes e cada vez mais sérias, lembro de ter feito dois cartões com papel vergé. Eu escrevi à mão em um dos cartões e ela escreveu no outro. A mesma frase: "Lembre-se do sábado dourado".
Minha idéia era criar um apoio. Um caminho de volta pra quando houvesse outras brigas.

Lembro que um tempo depois nós brigamos porque eu vinha sentindo que investia sozinho na relação. Dormi afastado dela na cama de casal e no dia seguinte quando acordei pra trabalhar, o cartão dela estava pregado com um imã na porta da geladeira e eu saí de casa me sentindo bem outra vez.
Depois houve outra briga. Ela reclamou minha presença, minha atenção, meu carinho. E mais uma vez, no dia seguinte o cartão funcionou.
Meu plano tinha dado certo. Cada vez que um dos dois agia de forma egoísta, cada vez que um de nós começava a se sentir mais injustiçado que o outro, mais vilipendiado, mais abandonado, cada vez que havia uma desavença, uma discórdia, uma mágoa, o cartão surgia lembrando que a gente se gostava. Lembrando o que nos tinha feito querer ficar juntos, lembrando que apesar das brigas, das contas, da rotina, das mentiras, tínhamos decidido estar ali - juntos - porque havia também amor.

Um dia, lembro de tê-la dado o aviso pra que saísse de casa em no máximo um mês. Mas não foi preciso esperar. Na mesma tarde todas as coisas já haviam sido levadas.
Ficou só o cartão em cima da minha mesa. "Lembre-se do sábado dourado".

Então lembrei que há muitos meses aquilo já não tinha mais significado nenhum.

E eu lembro de ter jogado o cartão no lixo da cozinha, junto com a cópia que ficava comigo, e de ter saído pra tomar uma cerveja com os amigos.

Um comentário:

Terry. disse...

Eu sempre me pergunto se esses seus contos são baseados em algum fato real... a forma como prende nossa atenção é muito legal!