quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Carpenters

Quando eu olhei pros seus olhos cheios de lágrimas, pensei em como seria desastroso nunca mais ter esses olhos para olhar. Eu vi sua boca recolhida pelo choro, seus ombros encolhidos em desalento e pensei no desalento que seria a minha vida se você não tivesse voltado. Eu pensei na eternidade daqueles dois minutos e meio entre o momento em que você saiu magoada batendo a porta e o momento em que voltou furiosa querendo me cobrar satisfações.

E eu queria te amarrar, te prender em mim, te atar ao meu sofá pra que você nunca pudesse ter a chance de me deixar. Eu queria suprimir completamente sua autonomia pra que você não tivesse qualquer outra escolha na vida senão me amar, independente do que acontecesse.

Eu queria ser dono dos seus dias, queria ser senhor do seu tempo, soberano do seu destino. Pra que não houvesse fato que eu não pudesse saber, intervir, interferir ou manipular.

Quando você me abraçou sedenta de cuidados, quando envolveu meu pescoço com seus braços eu pensei na solidão que seria a minha carne sem a sua. Eu pensei que a minha boca perderia todas as palavras se eu não tivesse mais os seus ouvidos. Que a minha garganta secaria se eu não tivesse mais seus beijos.

E eu quis que você não fosse tão passional quanto eu. Quis que você pudesse ser mansa. Mas lembrei que o que me fez te amar em primeiro lugar foi justamente o fato de você não conseguir ser mansa. E entendi que o nosso fogo, nossa cólera comum é nossa bênção e nossa derrocada.

Eu quis sair. Quis te levar pra algum lugar bem longe e você quis ir pra um bar. E nós bebemos e conversamos e nos beijamos e dançamos Carpenters como se eu nunca tivesse estado tão perto de nos perder.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A paixão é uma merda

Por mais que todo mundo goste, por mais que todo mundo precise e sinta falta, não há quem discorde que apaixonar-se seja uma merda.

Eu não queria estar apaixonado.
Não queria sentir falta dela como se estivesse me faltando um pedaço. Não queria essa necessidade viciosa do perfume de seus cabelos. Eu não queria essa fome da boca dela. Nunca desejei depender de suas pernas entrelaçadas nas minhas pra conseguir dormir em paz. Nunca quis precisar da voz dela pra me ajudar a pensar mais claramente.

Eu não queria me apaixonar. Não mesmo. Só queria poder usufruir tranquilamente de uma eventual companhia agradável. Sem a angústia impertinente da saudade. Sem a palpitação cardíaca que antecede cada encontro. Sem precisar arquitetar planos mirabolantes pra conciliar o tempo e viabilizar pelo menos um encontro diário em meio à todas as obrigações entediantes que a vida impõe.

Eu não queria acordar ao lado dela e perder horas vendo-a dormir. Não queria lembrar dela a cada vez que ouço aquela música. Não queria ter de arcar com o desejo quase doloroso de sua carne contra a minha. Não queria querer escrever este texto.

Eu queria paz. Queria estar acima desses sentimentos. Queria nunca me apaixonar. Porque a paixão é uma merda. Porque a gente percebe ela chegando e não faz nada pra evitar.
Porque quando sabe que vai dar merda, a gente vai até o fim.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Existe um mundo lá fora

Existe um mundo lá fora.
Uma porção de trabalho a ser feito, prazos a cumprir, compromissos a honrar.
Pela janela é possível escutar as pessoas caminhando pela rua, conversando umas com as outras, os carros buzinando, a vida seguindo seu curso.
Se o celular estivesse ligado, certamente estaria tocando. Amigos convidando pra sair, clientes pedindo atenção, questões querendo respostas.
A geladeira está cheia de comida, há algumas garrafas de Heineken no freezer, um tablete de chocolate sobre a mesa, um maço de cigarros e um isqueiro.
Na televisão certamente está passando algum filme, noticiário, programa de auditório ou o último capítulo da novela das oito.

Pouco importa.
No quarto, de pernas entrelaçadas, os rostos colados, discutindo baixinho uma porção de trivialidades é fácil esquecer que há algo mais depois daquelas portas. O edredom caído no chão, sobre o tapete ao lado da cama é um oceano imenso e impossível de ser transposto. Além das dependências do cômodo, além do conforto das cobertas, do aconchego dos corpos, não há nada que o mundo possa oferecer. Não há nada que valha a pena saber. Não há nada mais que se possa desejar. Tudo é menor. Tudo é bobo, desimportante e insípido.


Existe um mundo lá fora, mas ele foi esquecido, soterrado e diluído em meio ao perfume dos cabelos, a textura das peles, o sabor das bocas e o som das vozes.
Existe um mundo lá fora cheio de apelos, cheio de chamados, cheio de pessoas e de coisas acontecendo.

Existe um mundo lá fora. Mas o que realmente importa está exatamente aqui.