sexta-feira, 4 de maio de 2012

Quando olho pra ela


Eu olho pra ela e vejo os cabelos curtinhos e repicados. O vestido preto e aquele jeitinho de dançar divertido. Aqueles movimentos fora de ritmo de quem está dançando pra si e só pra si. Lembro daquele beijo brusco, todo espontâneo e cheio de desejo. Lembro do desejo que senti. Logo naquela noite em que eu tinha saído sem qualquer intenção de conhecer alguém.

Eu olho pra ela e vejo os finais de semana em casa. O começo das noites de domingo, quando ela tinha que ir embora e nenhum dos dois queria que ela fosse embora. Lembro de gostar de tê-la comigo e querer profundamente que ela fosse minha. Lembro do medo que às vezes sentia de que ela simplesmente se cansasse e desaparecesse da minha vida. Que deixasse de fazer parte da minha rotina. E eu vinha gostando tanto da minha rotina com ela. Lembro de telefonar toda tarde pra saber como tinha sido o dia. Pra ouvir ela dizer que tinha sentido minha falta, torcendo pra que ela se convidasse pra ir em casa.

Eu olho pra ela e vejo eu entrando no último ônibus que parava em frente a sua casa. De deitar juntos na rede e ficar conversando sobre as coisas mais aleatórias enquanto eu buscava alguma forma de chamá-la pra vir morar comigo sem parecer precipitado, sem parecer babaca, sem parecer psicopata.
Eu lembro de quando ela veio ajudar a pintar meu novo apartamento e do quanto eu gostava de ter a mão dela naqueles afazeres. Porque era como se ela tivesse se feito meio dona daquele apartamento também.

Eu olho pra ela e me vejo fazendo minhas tatuagens. Ela sentada do lado, sorrindo aquele sorriso empolgado, aberto, cheio de fulgor e excitação pela novidade. Eu vejo as primeiras tattoos que fizemos juntos e as noites em que acordávamos com dor porque tínhamos esbarrado nos machucados.
Eu lembro de quando fomos pra praia e todo mundo estava dormindo lá em cima enquanto a gente assistia TV no sofá da sala e eu disse pra ela que mesmo que não estivéssemos juntos no futuro eu já me sentia suficientemente abençoado por ter podido tê-la por um tempo. Por ter podido conhece-la. E lembro que nessa mesma noite confessei que, apesar disso ainda preferia poder vê-la envelhecer.  E ela chorou.

Eu olho pra ela e lembro de quando eu tive de voltar a trabalhar fora, por causa da falta de grana. Dos ciúmes que eu sentia por passar 10 horas por dia, longe. Da falta que eu sentia de acordar quando ela saía pra faculdade. Da falta que eu sentia de ficar vendo ela dormir enquanto eu virava a madrugada trabalhando no computador.
Lembro das brigas que a gente teve quando ela me ajudou a fazer meu curta-metragem. Do medo que eu tive de que a gente brigasse tanto que acabasse se esgotando. E do quanto eu odiei aquele curta-metragem por ter me feito quase perdê-la.

Eu olho pra ela a vejo sorrindo boba e bêbada na madrugada em que a pedi em casamento. Do quanto eu tremi quando fui anunciar o pedido ao pai dela. Das noites planejando a cerimônia e das coisas mais bizarras que ela queria que o tal casamento tivesse.


Eu olho pra ela e vejo que aos poucos ela vai deixando de ser a garotinha quase adolescente que conheci e vai se tornando mulher. Eu vejo as decepções que ela teve comigo e com o mundo. Vejo ela mudando a postura, a opinião, o cabelo, os trejeitos. Vejo ela deixando de ser a roqueirinha desleixada e tornando-se cada vez mais vaidosa. Vejo ela planejando a decoração no nosso primeiro apartamento realmente juntos. Vejo ela empolgada pra escolher as cortinas, decidindo a disposição das coisas e me pedindo um cachorro.

Eu olho pra ela e vejo o quanto ela me faz feliz.