sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Medo (2)


Eu tenho medo. Muito medo de envelhecer. Mas não (só) por causa da velhice em si.
Tenho medo de que a idade me torne frio. De que as experiências acumuladas transformem-se em experiências decantadas e nada mais me impressione, nada mais me empolgue, nada mais me atraia, me conduza ao perigo, à excitação da descoberta ao gozo do inusitado.

Tenho medo de que tantos sentimentos, vividos de forma tão intensa acabem gerando um calo que reduza minha sensibilidade. Que diminua a absorção da pancada de modo que tudo pareça mais tênue, mais brando do que realmente é.
Tenho medo de que tudo fique morno.

De que as traições me tornem absoluta e irremediavelmente desconfiado até o ponto em que eu não me entregue a mais ninguém. Não deseje mais ninguém. Não troque mais nada por receio de ser roubado. De que eu deixe de ser um crédulo e me torne um cínico. De que nada mais me toque, nada mais me afete. De ter tido tudo e terminar com nada.

Eu hoje tenho medo de que a vida me consuma antes que eu consuma ela.

Medo de perder o viço. De perder o tesão. De não ter paixão nem curiosidade. Medo de que tudo passe, de que tudo reduza-se à condição de lembranças, de saudades.

Medo de que tudo se reduza a sentir medo.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

"Lembre-se do sábado dourado."


Eu lembro que na semana em que começamos a ter um caso a filha dela foi dormir na casa da avó, comprei rosas, velas, incensos, o disco novo da Norah Jones e fiz um jantar.

Lembro de ter acordado ao meio-dia e de ter ficado olhando ela dormir por horas, satisfeito.

Lembro que quando ela acordou, passamos a tarde toda prostrados na cama, batendo papo e olhando o céu pela janela. O dia estava luminoso, quente e as nuvens filtravam a luz dourada do sol.

Depois de alguns anos juntos, quando as brigas foram ficando cada vez mais frequentes e cada vez mais sérias, lembro de ter feito dois cartões com papel vergé. Eu escrevi à mão em um dos cartões e ela escreveu no outro. A mesma frase: "Lembre-se do sábado dourado".
Minha idéia era criar um apoio. Um caminho de volta pra quando houvesse outras brigas.

Lembro que um tempo depois nós brigamos porque eu vinha sentindo que investia sozinho na relação. Dormi afastado dela na cama de casal e no dia seguinte quando acordei pra trabalhar, o cartão dela estava pregado com um imã na porta da geladeira e eu saí de casa me sentindo bem outra vez.
Depois houve outra briga. Ela reclamou minha presença, minha atenção, meu carinho. E mais uma vez, no dia seguinte o cartão funcionou.
Meu plano tinha dado certo. Cada vez que um dos dois agia de forma egoísta, cada vez que um de nós começava a se sentir mais injustiçado que o outro, mais vilipendiado, mais abandonado, cada vez que havia uma desavença, uma discórdia, uma mágoa, o cartão surgia lembrando que a gente se gostava. Lembrando o que nos tinha feito querer ficar juntos, lembrando que apesar das brigas, das contas, da rotina, das mentiras, tínhamos decidido estar ali - juntos - porque havia também amor.

Um dia, lembro de tê-la dado o aviso pra que saísse de casa em no máximo um mês. Mas não foi preciso esperar. Na mesma tarde todas as coisas já haviam sido levadas.
Ficou só o cartão em cima da minha mesa. "Lembre-se do sábado dourado".

Então lembrei que há muitos meses aquilo já não tinha mais significado nenhum.

E eu lembro de ter jogado o cartão no lixo da cozinha, junto com a cópia que ficava comigo, e de ter saído pra tomar uma cerveja com os amigos.