segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O Casal

O casal vinha andando pela Paulista, de mãos dadas, conversando animadamente. Ele falava meneando sutilmente a cabeça, com ares professorais e ela prestava atenção verdadeira com um sorriso tênue nos lábios enquanto fitava o rosto dele com olhos de admiração.
De onde eu estava observando, não conseguia ouvir o que diziam, mas parece que ela o retrucou. Ele pareceu ter ficado surpreso e admirado com o que ouviu e parou de caminhar para abraçá-la com carinho. Durante o abraço ela repousou brevemente o rosto no ombro dele e, no desenlaçar, beijou-lhe suavemente o pescoço. Eles trocaram olhares cúmplices, e voltaram a caminhar de mãos dadas. Agora, era ela quem falava e ele prestava atenção pontuando a conversa vez ou outra com algum comentário ou resposta.
De onde eu estava observando, percebia que ali havia amor. Que havia cumplicidade, confiança mútua. Eu percebia que havia amizade, interesse franco de um pelo outro. Eu percebia que havia intimidade, que havia paixão.

Por um tempinho eu me imaginei no lugar deles. E senti inveja.
Não porque eu nunca tivesse vivido esse tipo de relação. Eu vivo. Mas porque aquele casal tinha uns 75, 80 anos de idade.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eu te odeio

Eu te odeio. Odeio cada segundo de atenção que te dispensei. Odeio cada boa lembrança nossa. Odeio ter te feito um jantar à luz de velas porque agora não posso mais fazer nenhum jantar à luz de velas sem lembrar de você.
Sem lembrar de cada pedaço meu que você roubou. Sem lembrar que eu era uma ótima companhia antes de você me macular. Sem constatar que você matou o bom homem que eu era e que eu poderia ser pras mulheres que vieram depois de você. Mas jamais serei de novo porque você levou embora o que tinha de melhor em mim.
Eu te odeio porque você era covarde. Infantil, mesquinha e egoísta. Eu te odeio porque você era amarga e desconfiada. Eu era romântico e pueril. E agora eu sou amargo e desconfiado também.
Eu te odeio porque você deliberadamente roubou minha paz de espírito, minha crença nas pessoas, minha crença na paixão e minha ilusão de almas gêmeas. Você roubou minha credulidade ingênua no amor eterno.
Eu te odeio porque eu era bobo, eu sabia que era bobo e gostava de ser bobo. Porque eu acreditava nos filmes água com açúcar e agora só bebo ironia e Jack Daniels.
Eu te odeio porque te escrevi meus melhores poemas. Te odeio porque hoje eu sou tão seco, tão pobre, tão cru e tão vazio que não consigo escrever nem um verso.
Te odeio porque você me fez amadurecer. Porque você me fez ver a bosta que é o mundo. Porque você apagou minha luz. Porque você me ensinou a ter ciúmes e agora eu vivo sempre com um pé atrás.
Eu te odeio. E não acredito na sua felicidade. Não por dor de cotovelo. Mas porque você é tão triste, tão pequena, um acidente tão pobre e tão vil do destino que a felicidade não te cabe. Não é da sua natureza.
Eu te odeio e tenho dó dos que te amam. Porque você mente pros que te amam. Compulsivamente. E porque suas mentiras me fizeram cauteloso. E eu preferiria não ser cauteloso.
Eu te odeio e torço pra que você morra lenta e dolorosamente. Porque eu morri. Morri um pedacinho por vez ao longo dos três anos que você me roubou. E quando eu me pego, num dia de ressaca como este, gastando meu ódio com a sua lembrança, me pergunto quantos anos a mais você vai me fazer perder. Quanto da minha vida será extirpada só porque naquele dia dez de dezembro eu cometi o erro crasso de te beijar.