segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Medo

Ela o amava. É claro que amava!

Via-se em seus olhos, via-se em seu sorriso, no modo como ela delicadamente apoiava a cabeça no peito dele quando se abraçavam.

E ele a amava também. Em igual intensidade. Poderia dizer-se que eram feitos um para o outro.

Acontece que ele tinha um passado rico de traições, de mentiras, de engodos, de mulheres sendo abandonadas e substituídas e magoadas.

E não que o passado dela fosse menos sujo, mas é que ela sentia uma imensa insegurança. Ela tinha medo que ele fizesse o que tinha feito com todas as outras antes dela. Ela tinha medo de ser trocada, de ser abandonada à própria sorte, de ter que lidar com a ausência dele, de imaginá-lo amando o corpo de outra mulher.

Ela tinha muito, muito medo.

E esse medo começou a tirar-lhe o sono. Começou a conspurcar sua sanidade.

Porque tinha medo de ser vilipendiada ela começou a vilipendiar. Por ter medo de ser traída ela começou a trair. Por medo das mentiras ela começou a mentir.

Dizia que ia pra faculdade e ia pros bares, ria, flertava. Beijava qualquer rapaz que lhe desse um aceno, um sorriso. Porque tinha medo e porque queria provar pra si que seu amado não valia tanto. Que ele poderia facilmente ser trocado e substituído por qualquer outro. Que o amor que ela sentia por ele não era nada de tão especial. Que ELE não era especial.

Muito embora seu coração, seu corpo, seu espírito só se aquietassem na presença dele. Nos braços dele. Sentindo o perfume dos cabelos dele.

E quando eles brigavam ela se perfumava, vestia-se sensual e saía. Oferecia-se pra quem a quisesse, dava-se e voltava pra casa chorando humilhada, arrependida, pedindo desculpas com a cabeça repousada no colo dele.

Ele desculpava, fazia-lhe um cafuné paternal e sussurrava que estava tudo bem. Mas não estava tudo bem. Ela achava que ele não soubesse, ela pensava que ele estivesse desculpando-a pela briga, pela discussão O perdão dele não tinha valia se não estivesse perdoando pelos motivos certos.

A ironia é que estava sim.

Mas o medo… ah, o medo.

O medo é uma ave de rapina. Sondando nas alturas, planando calmamente, projetando sua sombra só quando o ataque já é inevitável.

Com o tempo ele foi cansando-se. Foi perdendo a paciência, a paternalidade, a tolerância, a capacidade de perdoar. Ele acreditava que o tempo fosse fazê-la mais segura, que ela amadureceria, superando o medo. Mas viu que não. E o medo dela acabou por provocar justamente as catástrofes que ela temia. Acabou por arrancá-la dos braços de seu amado. Acabou fazendo com que ela fosse trocada. Substituída. Deixada pra trás.

O curioso em tudo isso é que, de todas as mulheres que ele teve, ela tinha sido a única com quem quisera passar a vida toda. Ela tinha sido justamente a mulher que ele escolhera pra não abandonar.

domingo, 15 de agosto de 2010

Não era pra acontecer

Não era pra acontecer. Tinha sido só uma fodinha bêbada sem compromisso.

Ninguém sabia nada de ninguém e, na segunda vez, foi só uma segunda vez porque rolou uma coincidência louca e um reencontro casual.

Não era pra acontecer nem as conversas madrugada adentro pelo MSN. Ele tinha namorada e ela, uma vidinha agitada e pueril demais pro gosto e pro saco dele.

Não era pra acontecer porque ela tinha muita curiosidade pela vida e ele tinha trabalhos e certezas demais.

Não era pra acontecer porque, mesmo que estivessem se vendo com muita frequência, ele vinha andando muito estranho e isso a irritava profundamente.

Não era pra acontecer porque quando eles planejavam encontros com antecedência as coisas soavam forçadas e a naturalidade ia pro saco.

Não era pra acontecer porque, agora que estava solteiro ele não queria mais se ver atado a ninguém.

Não era pra acontecer porque ela estava noutra vibe.

Não era pra acontecer porque ele achava que ela fosse orgulhosa demais pra permitir que acontecesse.

Não era pra acontecer porque ele era um sentimental.

E mesmo quando ela desligou o orgulho e se declarou viciada por ele, mesmo quando ele a convenceu a tomar um taxi e correr pra sua casa às duas da madrugada e isso provocou uma briga homérica entre ela e seu pai, não era pra acontecer simplesmente porque não era pra acontecer.

Não era pra acontecer quando ele começou a se deixar influenciar por ela.

Não era pra acontecer quando ela começou a se deixar influenciar por ele.

Não era pra acontecer quando eles começaram a sair cada vez mais amiúde, nem quando ela começou a passar cada vez mais tempo na casa dele.

Não era pra acontecer quando eles foram juntos prum restaurante, pela primeira vez.

Não era pra acontecer quando, pela primeira vez eles pegaram um taxi juntos, sem estarem bêbados.

Não era pra acontecer quando ele cozinhou pra ela.

Nem quando eles derrubaram vinho no chão.

Não era pra acontecer quando eles passaram o dia filosofando arte. Nem quando o chuveiro pegou fogo e atrapalhou a transa.

Não era pra acontecer quando ele deixou de ser besta e confessou estar completamente entregue e absolutamente apaixonado.

Não era pra acontecer quando ela sorriu aquele sorrisão imenso e lindo e disse que estava também.

Definitivamente não era pra acontecer. Nada disso era pra acontecer.

Mas aconteceu.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Tudo meu é muito

Quando eu amo, eu amo. Não existe meio-termo, não há como dissimular, não me cabe no peito.

Quando eu odeio, quando eu invejo, eu desejo a morte, eu rogo um câncer, eu quero estar perto pra ver o momento da queda. E rir. E cuspir na cara antes de virar as costas e ir embora.

Quando eu desejo eu quero, com tudo que há de força, de energia em mim. Anseio consumir, gastar, esgotar até a última gota, até não haver migalhas, até não sobrar pedra sobre pedra. Eu desejo e, se não tiver, adoeço.

Quando eu sinto ciúmes eu sou engolido, fico apaixonado, xingo, tenho ganas de meter as unhas na cara do objeto dos ciúmes. Quero cortar-lhe as pernas, trancar-lhe no quarto, acorrentado na cama pra que nunca mais saia e nunca mais me provoque essa cólera.

Quando eu me desapego é o limbo. É o nada. Uma pedra de gelo. Não me comovo, não me enfureço, não tenho piedade nem desejo o mal. Eu esqueço.
Tudo meu é muito. Tudo é de uma hora pra outra e tudo é definitivo. E isso é uma merda.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ridículos

Nós somos ridículos.
A gente sai à noite, vestidos de couro, botando banca de rockers, os queixos empinados e o peito estufado. Enchemos a cara de bourbon e entupimos os narizes como se não houvesse amanhã.
A gente ri, dança, beija. A gente come um monte de gente e dá pra um monte de gente pra provar pro mundo e pra nós mesmos que somos donos de nossas vontades, que estamos acima do ordinário, que somos niilistas, que somos hedonistas e nada nos afeta. Mas é mentira.
Nós não passamos de um bando de otários, pulando de noite em noite, vivendo um pouquinho todo final de semana, tentando sublimar alguma coisa, preencher algum espaço vazio, tateando por alguma resposta, mendigando algum amor.
Nós somos crianças perdidas na calada da Augusta, chapando os sentidos pra esquecer que somos medrosos, que somos covardes e sós.
Nós nos achamos modernos, acima das convenções. Mas fomos todos batizados com a água benta da Santa Igreja Católica e todos acreditamos no amor.
Naquele amor que redime, que completa, que preenche, que perdura. No amor que supera. Só o que falta é coragem.
A gente acha que é coisa de macho chamar de piegas o que é romântico. Mas quando chega em casa, dorme logo pra não dar tempo de pensar que aquela garota que pegamos na balada poderia ser a resposta aos anseios que vêm importunar a alma durante a semana. Aquele sentimento incômodo de estar sobrando no mundo. Aquela conclusão dolorosa de que falta um pedaço qualquer no peito. De que falta um graal.
Então vem o final de semana seguinte e tudo se repete. Porque é mais fácil tomar cinco doses de Jack do que dizer “eu te amo”. Por que é mais simples dissimular impessoalidade do que entregar-se e arriscar quebrar a cara. Porque dá mais status levar três garotas pra cama numa semana do que confessar amor a uma só. Porque dói menos estar na cama de um desconhecido do que nos braços de um amado. Porque é mais bacana parecer cool do que ser franco.